Já fiz várias coisas gostosas na minha vida, mas não acho, mesmo, que tenhamos nascido para outra realização que não a de ter um (ou vários) filho(s). O tipo de parto não é o que mais importa, é claro. Mas, se escrevo esse relato, é porque tenho a esperança de ver outras mulheres superando seus medos e acreditando em sua força e capacidade de parir. E parir assim, de forma natural, empoderando-se, é só o começo de uma viagem de autoconhecimento e energia.

Arrigo è arrivato!

Acredite em mim: sim, é possível parir sem sentir dor! E não estou falando de anestesias. Falo de parto natural, sem qualquer intervenção – sem agulhas, sem “picotes” vaginais, sem gente montando na sua barriga para empurrar a criança. Durante anos, tive pesadelos com partos. Achava que era a dor maior do mundo e acreditava nas maravilhas e comodidades da cesariana. Por sorte (e pela a feliz indicação de uma amiga querida), no sexto mês da primeira gestação, conheci o Grupo de Apoio à Maternidade Ativa. Após algumas reuniões semanais, descobri o quanto o mito da “cesariana segura e cômoda” estava enraizado em todos nós – mulheres e homens. A medicina evoluiu, mas apoia e fortalece os nossos medos para, assim, nos deixar fragilizados, pouco potentes, incapazes. Hoje acredito que 90% dos partos podem ser por vias naturais, sem qualquer complicação – isso inclui bebê grande, bebê pequeno, bebê com volta de cordão, gêmeos e até bebê sentado. A história do meu primeiro parto e da epifania que tive com ele está publicada no site Parto com Prazer.

O Arrigo, meu segundo filho, era esperado para o começo de outubro. Mas um sem fim de contrações indolores me avisavam que ele viria antes disso. Quando me perguntavam onde seria o parto, eu brincava que gostaria que o parto fosse tão rápido que poderia nascer em qualquer lugar – até no Carrefour ou na redação onde trabalho. Na semana 30, no entanto, descobri, entre outras coisas, que o bebê estava sentado… As contrações, que já não eram poucas, aumentaram. Mesmo com a médica dizendo que ainda havia tempo de o bebê virar, e mesmo lendo tantos relatos de bebês que viram no finalzinho da gestação, eu queria resolver rapidamente aquela situação. Outras complicações nos exames de rotina me deixaram sem força, assustada e perdida por duas semanas. Quando ouvia as pessoas dizerem: “Não se preocupe: se ele ficar sentado, é só fazer uma cesárea, é super rápido, é ótimo…”, eu tinha ímpetos de sair correndo, chorando. Comecei a beber água desesperadamente, ficava horas com os quadris para cima (na intenção de fazer o bumbum do bebê desencaixar da minha bacia). Eu sentia os pés dele enfiados na minha virilha. Eu sabia que o bebê estava bem lá embaixo.

Na semana 32, quando o líquido amniótico costuma estar no seu limite máximo, procurei uma acupunturista que fazia um trabalho específico para virar bebê. Ela enfiou uma agulha no meu dedinho (bem perto da unha) e disse: “Vou estimular no limite da dor…”. Eu queria tanto que o Arrigo virasse que pedi para ela ultrapassar esse limite. Foram duas horas de consulta e, no final, o veredito da médica: “Olha, eu acho que dificilmente esse bebê vira e você corre o risco de ter um parto prematuro porque ele está muito baixo”. Aquelas palavras e o jeito dela de falar foram tão desencorajadores que dois dias depois fui parar no hospital com contrações indolores a cada dois minutos. Passei pelo cardiotoco (e, como na gestação do Loretto, impedi que a enfermeira tocasse buzina na orelha do Arrigo), fiz ultrassom e um toque. Não era trabalho de parto. Só um susto. Ou uma reação de medo que me foi induzido pela médica.

Mais duas semanas se passaram. Pesquisei tudo sobre parto pélvico, falei com gente que pariu bebê sentado em parto natural, descobri um estudo (de um pesquisador da UFRJ) que mostrava que mesmo para bebê sentado, o parto por vias naturais era o mais indicado (desde que se respeitassem alguns indicadores – tempo de gestação, tamanho do bebê e outros fatores). Marquei, então, uma consulta com a doula que acompanhara o parto do Loretto e que conhecia minha trajetória de medo e superação. Depois de uma hora e meia de conversa, e já convencida de que o melhor era deixar o trabalho de parto se iniciar para, só então, decidir o que fazer, ela pediu para ver minha barriga. Apalpou e falou: “Mas está muito fácil de virar esse bebê. Acho que a médica vira no próprio consultório”.

Na sequência, a médica obstetra nos atendeu. Tivemos uma hora de conversa em que ela contou sobre os inúmeros partos pélvicos que já havia acompanhado. Falou ainda sobre a possibilidade de tentar uma versão externa na semana 38 (manobra realizada em hospital, com anestésico, em que dois médicos viram o bebê massageando a barriga da mãe). Quando eu já estava muito tranquila com esse assunto, ela colocou a mão na minha barriga, achou a cabeça do bebê e suavemente foi conduzindo a cabeça para baixo. Em um minuto, sem que eu sentisse nada, ela pediu ao meu marido que “segurasse” a cabeça do bebê logo abaixo do meu umbigo. Foi tão incrível e simples, que eu só acreditei que ele tinha mesmo virado quando vi no ultrassom.

Com essa guinada, até as contrações indolores começaram a espaçar. Mas eu percebia que o parto se aproximava. A barriga estava muito grande e o tampão começou a se soltar na sexta-feira ainda naquela semana, depois da virada do bebê. No sábado, senti dores leves nas costas. Na segunda-feira, um dia antes de entrar na semana 35, mais umas dorezinhas nas costas. Bem leves. Comprei, então, os apetrechos para fazer o molde da minha barriga em gesso (tinha feito na primeira gestação e acho o resultado muito bonito). Fizemos o molde. No dia seguinte, a dorzinha nas costas havia passado, mas eu continuava perdendo um muco transparente que, acredito, era mesmo o tampão.

No dia 07 de setembro, pela manhã, levamos o Loretto ao Instituto Butantã. Enquanto ele se deliciava nos museus com o pai, resolvi ficar quietinha, sentada na lanchonete. Uma das atendentes perguntou: “Nossa, que barrigão! Para quando é?”. E eu respondi que poderia ser para aquele mesmo dia ou para dali um mês. Depois, sentei-me com uma xícara de chá e me recordei que na semana do meu primeiro parto, eu também havia estado no Instituto Butantã, sentada naquela mesma mesa. Conversei com o Arrigo e disse: “Filho, se você estiver com vontade de nascer, pode vir, estou te esperando!”.

À noite, haveria a festa de aniversário de uma amiguinha do meu filho. Cheguei até a pensar em colocar a bolsa de maternidade no carro, mas achei que era bobagem. Afinal, eu não estava sentindo nada além das contrações indolores. O buffet ficava na Av. Ibirapuera. E, ao chegarmos, os pais da aniversariante ainda brincaram que, se eu entrasse em trabalho de parto, eles me levariam ao hospital. E eu respondi que a gente podia fazer o parto na festa mesmo… Eram 19h.

Conversei muito com as professoras do Loretto e as mães dos coleguinhas. Comi um monte de salgadinhos e pipoca. Tomei uns dois copos de suco de maracujá. Às 20h45, tive vontade de fazer xixi. Fui ao banheiro e vi que o muco transparente estava meio alaranjado. Achei estranho e tive a sensação de ter sentido uma coisinha, uma coliquinha muito leve, na barriga. Voltei para a mesa e continuei a conversar. De repente, senti um ploft dentro da barriga e muita água correndo pelas pernas. “Estourou minha bolsa!”. Comecei a tremer de emoção. Em segundos, alguém chamou o meu marido e ele ligou para a médica. O celular dele marca 20h50 para a primeira ligação.

No telefone, a médica perguntou se eu estava sentindo alguma contração. Nesse exato momento, senti a primeira contração real, com cólica – mas, extremamente suave, muito menos do que cólica menstrual. Perguntei se eu deveria ir para casa ou se era melhor ir diretamente ao hospital. A médica achou que era melhor ir ao hospital (já que falei que estava tão pertinho). Ela ainda pediu que eu observasse o intervalo entre as contrações, pois me ligaria em alguns minutos.

Decidimos deixar o Loretto curtindo a festinha – a professora e os pais dos amigos se ofereceram para levá-lo ao hospital quando a festa acabasse. Os convidados pararam para ver a grávida de barriga enorme e bolsa rompida passar. Até chegar ao carro, senti três contrações. Eu só parava e respirava – tudo passava em segundos. A mãe da aniversariante foi dirigindo o nosso carro (já que ela sabia o caminho mais rápido) e o marido dela foi com outro veículo, seguindo-nos. Eles ligaram o pisca alerta, passaram por sinais vermelhos, entraram em contramão. Eu ia ajoelhada no banco de trás. As contrações vinham de dois em dois minutos. Eram suaves e eu só me concentrava em respirar com a garganta bem aberta. E dizia para a motorista: “Olha, não precisa correr, não. Estou fazendo barulhos aqui com a boca, mas é só para passar a contração”.

Quando a médica ligou e meu marido contou que as contrações eram de dois em dois minutos, ela telefonou para alguém do hospital e avisou que eu estava chegando. Eram 21h12. Tinha uma enfermeira me esperando na porta. Eu fui correndo até a sala de exames, vi que o líquido da bolsa tinha um pouquinho de mecônio, bem pouco e bem claro, e a enfermeira fez o toque: “Nove de dilatação! Vai rápido para a sala de parto. E o pai não precisa nem fazer ficha. Se fizer ficha vai perder o parto…”. Eu achei engraçado. Não era possível que ia nascer assim tão rápido.

Quando a porta do elevador abriu, a médica estava dentro dele. Eu falei: “Olha, estou com nove de dilatação, mas não está doendo nada”. E ela respondeu: “Mas não precisa doer…”. Então, chegamos à sala, eu subi na cama e ela pediu que eu tentasse achar a posição mais cômoda durante a contração. Aqui, cabe um parêntese: como a minha placenta ficava na parte da frente do útero, logo acima do umbigo, e eu havia lido que isso fazia com que o bebê ficasse virado para frente (e não virado para trás como é o mais comum), eu imaginava que o parto seria dolorido (com a cabeça do bebê pressionando o osso sacro). Então, achava que eu ia querer parir de quatro – posição que mais favorece partos em que os bebês estão assim. Mas, ao ficar de quatro, percebi que não era isso. A médica, então, sugeriu a cadeira de parto (parece uma privadinha aberta na parte da frente). Eu tinha experimentado a cadeira no parto do Loretto e não tinha gostado muito. Mas ela posicionou a cadeira sobre a cama e ergueu a cabeceira para que eu ficasse com as costas apoiadas. Achei confortável e assim fiquei.

Às 21h20, meu marido falou: “Será que vai nascer no dia do meu aniversário?” (que é 08 de setembro). E a médica falou: “Não, vai nascer já-já!”. Eu conversava normalmente no rápido intervalo entre as contrações e ainda não estava acreditando na velocidade em que tudo acontecia. A doula chegou, eu a abracei, ela elogiou meu cabelo e minha maquiagem. Eu contei que estava numa festa… Conversava como se nada estivesse acontecendo. Quando vinha uma contração, eu olhava para cima e respirava. Daí, veio uma contração e eu disse: “Gente, acho que estou com vontade de fazer cocô…”. E elas disseram: “É o bebê que está descendo”. Mesmo assim eu perguntei o que aconteceria se eu fizesse cocô. E elas deram risada: “Nada, a gente limpa, ué!”.

Meu marido, ao meu lado, falou: “Puxa, será que dá tempo de ir até o carro pegar o CD do Tchaicovsky?”. A resposta veio em uníssono: “Não! Está nascendo”. A médica perguntou que música ele queria e buscou no iPhone. 4ª Sinfonia tocando e mais uma contração com vontade de fazer cocô. Fiz uma forcinha e a cabeça do bebê apontou na minha vagina. Coloquei a mão para senti-la e sorri – estava nascendo. Mais uma contração e eu me lembro (e vejo na gravação que meu marido fez com o celular) de ter dito: “Gente!”, pois percebi que estava nascendo mesmo e fiquei pensando quem ia pegar o bebê… Mais uma contração com um pouquinho de força e a cabeça saiu. Mais uma e o bebê escorregou, pequenino, lindo, às 21h36. Veio direto para o meu colo, todo molhadinho, todo sujinho – que incrível! Que sensação encantadora! Que gostoso pressionar aquele menino no meu peito, que presente maravilhoso!

A pediatra contratada por nós para acompanhar o parto chegou nesse momento. E, como o Arrigo nasceu prematuro e parecia mais roxinho do que o normal, a médica sugeriu que cortássemos o cordão para verificar a necessidade de oxigênio. O pai cortou, mas o bebê, depois de rápida avaliação, estava ótimo e voltou para o meu colo. Mamou e ficou comigo mais duas horas.

Havíamos ligado para o pessoal da festa, avisando que o bebê nascera. Então, quando a festa acabou trouxeram o Loretto. Ele entrou na sala de parto escondido (é proibido, mas foi tão rapidinho…) e veio ver o irmão. “Olha, é um Budinha!”, foram suas primeiras palavras. Poucos momentos se eternizarão tanto na minha memória quanto esse, de ver o irmão mais velho, no colo do pai, admirando e amando o irmão mais novo.

Já fiz várias coisas gostosas na minha vida, mas não acho, mesmo, que tenhamos nascido para outra realização que não a de ter um (ou vários) filho(s). O tipo de parto não é o que mais importa, é claro. Mas, se escrevo esse relato, é porque tenho a esperança de ver outras mulheres superando seus medos e acreditando em sua força e capacidade de parir. E parir assim, de forma natural, empoderando-se, é só o começo de uma viagem de autoconhecimento e energia. Vale a pena lutar, trocar de médico no dia do parto, fazer o que for possível, para ganhar essa experiência. E se você se entregar a ela, talvez seu parto seja como o meu: sem dor e com o prazer mais intenso que já senti na vida.

Beijos de agradecimento a Andrea Campos (obstetra), Sandra Regina (pediatra), a Cris Balzano (doula) e a Ana Cris Duarte (doula do parto do Loretto).