Meu trabalho de parto durou 5 horas e o período expulsivo 1 hora e meia. Não sofri, não tive medo, em nenhum momento duvidei de mim, da minha filha ou da minha equipe. Curti cada segundo, cada reação do meu corpo, cada passo de todo o processo do nascimento. Foi lindo, exatamente como eu desejei (ou até melhor!). Me senti forte, competente, orgulhosa e realizada. Ninguém fez isso por mim. Ninguém me cortou, nem empurrou ou puxou minha filha. Ela veio ao mundo com a minha ajuda, eu colaborei, eu fiz a força, eu empurrei. Penso em mais filhos e quero que seja exatamente como foi com a Livia. Passaria por tudo novamente. E vou passar, é meu desejo, é assim que vai ser!

Sempre achei que teria um parto normal. Sempre achei muito melhor que a cesárea e, como eu nasci de parto normal, tinha a vontade de ter meus filhos assim. Mas nunca tinha ouvido nada a respeito de parto natural humanizado, até que engravidei e soube pela esposa de um primo que havia acabado de ganhar bebê. Li seu relato de parto e me apaixonei por tudo: pela forma como foi, pela participação da doula e do marido, pelo respeito com que foi tratada, pelo carinho com que sua filha foi recebida. Então, resolvi ler mais sobre o assunto e mergulhei de cabeça neste mundo incrível da humanização. Conheci pessoas maravilhosas que me abraçaram e ajudaram a ter força e coragem para enfrentar nossa sociedade cesarista e lutar para ter minha filha da forma mais natural possível.

Com 17 semanas de gestação eu já havia passado por quatro médicos diferentes, todos do convênio e nenhum que me passou a segurança de pelo menos tentar um parto normal. Até que conheci minha doula e minha obstetra, por indicação de uma amiga que havia tido sua filha com elas e pude ter a certeza de que era a maneira perfeita para receber a minha pequena.

Li muito, dividi tudo com o Junior (meu marido, parceirão!). Fizemos cursos de preparação para o parto, participamos de encontros nas casas de apoio ao parto humanizado. Imersão total no assunto. Nos sentíamos realmente preparados!

Foi uma gravidez supertranquila, sem nenhuma intercorrência, nada de enjoos, sangramentos ou qualquer probleminha que fosse. Me senti muito bem o tempo todo. Tinha apenas uma leve insegurança sobre como seria minha hora, quanto tempo iria durar, se eu suportaria, se daria tudo certo. Mas nada que me tirasse a coragem, apenas um sentimento natural de mãe de primeira viagem. Porém, com 36 semanas, a Livia ainda estava pélvica (sentada). Minha médica indicou que eu me consultasse com uma obstetra especialista em bebês pélvicos.

Na semana seguinte, fomos à consulta e me apaixonei pela médica indicada. Uma pessoa incrível que nos passou tanta segurança e tranquilidade que nos sentimos seguros e acolhidos. Ficamos com a certeza de que se corresse tudo bem, ótimo, nosso parto seria como sonhamos. Se não, a médica saberia a real necessidade de fazer uma cesárea com o carinho e o respeito que estávamos procurando. Ela até nos aconselhou fazer a Versão Cefálica Externa (VCE) para aumentar as chances de conseguirmos o parto normal, mas devido às questões financeiras optamos por não fazer. A solução era esperar e ver o que aconteceria lá na hora, afinal a bebê poderia virar durante o trabalho de parto mesmo. Caso contrário, era aceitar a possibilidade de uma cesárea, pensando apenas no melhor para nossa filha.

Cinco dias depois da consulta, com 39 semanas e 2 dias de gestação, foi aniversário do Ju. Não fizemos nada para comemorar, apenas comprei um bolinho e eu e a Livia cantamos parabéns para o papai depois do jantar, como sempre tranquilo e gostoso. Nós dois juntos, conversando e aproveitando cada momento que sabíamos que poderia ser o último. E foi!

Fomos dormir e eu me sentindo super bem. Não sentia nada. Tinha a impressão de que ela chegaria por volta das 42 semanas. Às 3h30 da manhã acordei com vontade de ir ao banheiro. Fui e voltei para a cama. Às 4h acordei de novo com a mesma vontade, uma leve dor de barriga, fui ao banheiro e comecei perceber que a dorzinha de barriga vinha e ia embora. Comecei prestar atenção no relógio e vi que os intervalos estavam por volta de seis minutos entre uma dor e outra, e durante este tempo meu organismo estava limpando meu intestino, que funcionou como nunca. Fiquei uma hora no banheiro e senti 7 vezes a mesma dor. Suspeitei que pudessem ser as “terríveis” contrações. Mas não eram muito fortes. Imaginei que estava tudo bem no início. Voltei para cama e o Ju já acordado me perguntou o que havia. Eu disse que suspeitava das contrações e então ele resolveu contar no aplicativo que tínhamos baixado para isso.

Os intervalos estavam por volta de 5 e 6 minutos e a intensidade foi ficando maior. Por duas vezes as dores foram tão fortes que me senti mal e vomitei. Cheguei a falar para o Ju que se continuasse assim ou pior eu não aguentaria e iria precisar de anestesia. Ele só me olhou e não deu muita atenção, disse que depois conversaríamos. Isso porque eu estava achando que ficaria com aquelas dores por mais 12 horas pelo menos e que elas só iriam aumentar. Achei realmente que não aguentaria. Foi quando o Ju resolveu avisar nossa doula, que me indicou ir ao chuveiro. Aí foi um alivio! Fiquei uma hora por lá, enquanto ele começou arrumar nossas coisas, pegou comidinhas para irmos comendo no caminho até o hospital, contou todas as contrações, avisou no seu trabalho que a filhota estava chegando, pegou algumas coisas que ainda faltavam na minha mala da maternidade, falou com a médica e com a doula de novo.

As contrações estavam bem mais “leves”. A água quente é milagrosa! Mas os intervalos estavam cada vez menores e a médica pediu para irmos para o hospital o quanto antes, pois já eram 7h da manhã e o trânsito poderia nos atrapalhar. Saí do chuveiro, me arrumei rapidamente com uma roupa bem confortável e fui para a cama, enquanto o Ju desceu as malas e trouxe o carro para mais perto da portaria para eu não ter que andar muito. Cada contração que vinha, eu ligava a contagem no aplicativo, me posicionava de joelhos sobre nossos travesseiros e ainda tentava rebolar. Ajudou muito. De repente, quando ele subiu para me pegar, a contração veio seguida de uma vontade enorme de fazer força. Meu Deus, como assim? Fazer força agora? Em casa? Ficamos bem preocupados e saímos apressados.

Entre uma contração e outra, só deu tempo de pegar as toalhas que estavam no banheiro para eu me agarrar enquanto estivéssemos no carro. Pegamos o elevador, que estava vazio (ainda bem!) e fomos para o carro. Enquanto caminhava, cerca de 10 metros, veio uma contração e eu sabia que não poderia parar e fazer todo meu ritual, respirei fundo e hoje tenho na lembrança a sensação de ter levitado, como se meus pés não tivessem tocado o chão, tamanha a adrenalina. Entrei no carro, fui deitada no banco de trás, enquanto o Ju traçava um caminho melhor para fugirmos do trânsito, contava as contrações e separava um lanchinho para comermos até o hospital.

Durante todo o trajeto tive várias contrações seguidas dos puxos, que eram fortíssimos! O Ju falou com a médica, que mandou que eu não fizesse força de maneira nenhuma. Era quase impossível. Não tinha como manter o controle sobre aquilo. Meu corpo já estava expulsando minha filha. Ia muito além da minha vontade. Eu coloquei uma toalha entre as pernas e a puxava para cima como se eu fizesse uma força contrária, na tentativa de empurrar a bebê para dentro ou pelo menos impedir que ela saísse (pelo menos era esse meu pensamento).

A cada contração eu soltava um grito alto e forte para tentar concentrar a força na garganta e diminuir a força lá embaixo e o Ju falava em voz alta com a filha para ela ter calma e esperar mais um pouco. Teve uma hora que eu expliquei pra ele que eu estava bem e que só gritava para aliviar, mas que eu não estava nervosa e pedi para ele também não ficar. E ele não ficou, pelo menos não demonstrou.

No meio do caminho percebi que não andávamos muito e notei a presença de muitos carros em volta. Era o trânsito de São Paulo às 7h30 da manhã. De repente o Ju começou buzinar incansavelmente, ligou o pisca-alerta e colocou o braço pra fora pedindo passagem. O caminho foi se abrindo, foi como se as pessoas que estavam na nossa frente soubessem da nossa urgência e abriram caminho para que pudéssemos passar. Fomos assim até o hospital. Durante o percurso, olhei a toalha que estava entre minhas pernas e vi que havia saído o tampão mucoso, exatamente como eu via nas fotos. Sabíamos que era mais uma das etapas de todo o processo.

Quando chegamos no hospital, entrei de cadeira de rodas e bem na hora de passar pela recepção cheia de pessoas, veio uma contração. Não tive como me conter, fechei os olhos e soltei um gemido contido, porém sei que ficou alto e assustador para quem estava aguardando atendimento. O enfermeiro tentou ser agradável e quis conversar comigo, mas era impossível falar durante a contração. Só consegui sinalizar com a mão um “não”. O Ju ficou na recepção e o perdi de vista.

Fui levada até a sala de parto. Queriam que eu colocasse aquela camisola horrorosa do hospital e eu disse que não tinha condições. Depois perceberam que haviam me levado para a sala errada e continuaram me empurrando naquela cadeira de rodas. Quando finalmente cheguei na sala correta, minha doula já estava lá com aquele olhar sereno e tom de voz agradável, me deixando mais tranquila. Logo pude ver uma das minhas médicas, que me examinou e constatou que eu estava com dilatação total. Meu Deus! Que incrível! Eu tinha conseguido chegar à dilatação total em casa! Logo eu, que fazia uma ideia de que chegar até os 10 centímetros seria extremamente exaustivo e demorado, e para mim aconteceu como se num piscar de olhos.

Numa das contrações a bolsa estourou e foi líquido amniótico para todo o lado. Minha doula estava segurando minha mão e disse bem baixinho: “tomei um banho de líquido amniótico, isso é sorte!”. A outra médica da minha equipe logo chegou e fomos fazer a cardiotocografia. Estava tudo bem com o coração do bebê. Então, as médicas me pediram para ficar de quatro apoios, que é a melhor posição para bebês pélvicos. Veio o comando que eu tanto estava esperando: “pode fazer força!”.

Daí em diante posso dizer que o parto ficou “gostoso”. Cada vez que a contração da expulsão vinha eu ajudava com toda minha força. A sensação era de total alivio e bem estar. É muito bom poder fazer força quando é isso que seu corpo está pedindo. Nos intervalos de uma contração e outra, eu não tinha nenhuma dor, nenhum desconforto, nada… conseguia conversar e até sorrir. Minha doula segurava minha mão e fazia massagem com óleo nas minhas costas. Logo olhei e vi o Ju com a roupa de centro cirúrgico, me olhando com um sorriso gostoso, as músicas que separamos para aquele momento já estavam tocando, a luz ficou mais baixa, o ambiente estava numa total tranquilidade.

Foi quando lembrei de perguntar como a bebê estava. Afinal, eu tinha quase certeza de que teria que partir para a cesárea devido à sua posição. Perguntei para as médicas como estava a posição dela e se realmente eu poderia fazer força. Elas me disseram com lindos sorrisos nos rostos que a posição estava ótima e tudo estava correndo muito bem. Nossa, que paz! Neste momento, me entreguei de corpo e alma e meu único objetivo era somente ajudar e colaborar para que minha filha chegasse aos meus braços.

Nessa hora, elas me orientaram a sentir os pezinhos que já estavam apontando. Toquei e pude sentir aqueles minúsculos pés molhadinhos e apertadinhos já quase saindo. Foi demais, uma sensação de que realmente estava tudo indo bem.

No intervalo de uma contração, a médica me perguntou se eu me importaria se um outro médico assistisse meu parto, pois ele estaria no hospital para fazer uma VCE e gostaria de presenciar um parto pélvico. Eu concordei na hora, para mim não teria problema nenhum. Depois soube que este médico havia ajudado o Ju no vestiário masculino com as roupas e armários e ainda se ofereceu para filmar todo o nascimento com o celular do meu marido. Foi um fofo, super discreto e agradável.

E foi assim, com o Ju do meu lado, segurando minha mão, me fazendo carinho o tempo todo, a equipe tranquila e me tranquilizando, que me lembro de ter feito mais algumas forças (por volta de umas 5 ou 6) e a Livia chegou! Com 3,280 kg e 48 cm. Não senti o famoso círculo de fogo que todas as mulheres relatam e quando me dei conta senti um alivio enorme e já me passaram a bebê. Ela não chorou e estava com os olhinhos abertos. Tinha 3 voltas de cordão no pescoço. Nasceu parcialmente empelicada. Bem calminha. O pediatra só auscultou o coraçãozinho e eu já a peguei nos braços. Sem aspiração, sem colírio, sem tapinha nas costas, sem nenhum procedimento desnecessário. Nem banho tomou. Foi tomar só no dia seguinte, mais de 24 horas depois. Era uma mistura de sentimentos: amor, alívio, alegria… Eu parecia não acreditar que tudo aquilo estava acontecendo.

Livia veio para o meu peito e mamou por uma hora e meia. Mamou forte e firme, como se já soubesse fazer isso há muito tempo. Segurou firme na minha mão e não tirava os olhos dos meus. O cordão só foi cortado meia hora depois do nascimento, quando parou de pulsar. Junior fez questão de cortar.

A placenta saiu e eu não senti, pois não tive mais contrações depois que a bebê saiu. Meu útero demorou um pouco a retornar e o sangramento foi um pouco maior do que o esperado. Então, precisei tomar uma injeção na coxa para agilizar o final do sangramento. Melhorou, mas ainda assim a médica achou melhor me colocar no soro. Meu períneo ficou intacto. Nem acreditei, já que utilizei o Epi-no, mas não tinha conseguido chegar ao diâmetro máximo. Tive apenas uma lesão leve na mucosa e deram dois pontinhos, nada sério.

Assim foi! Meu trabalho de parto durou 5 horas e o período expulsivo 1 hora e meia. Não sofri, não tive medo, em nenhum momento duvidei de mim, da minha filha ou da minha equipe. Curti cada segundo, cada reação do meu corpo, cada passo de todo o processo do nascimento. Foi lindo, exatamente como eu desejei (ou até melhor!). Me senti forte, competente, orgulhosa e realizada. Ninguém fez isso por mim. Ninguém me cortou, nem empurrou ou puxou minha filha. Ela veio ao mundo com a minha ajuda, eu colaborei, eu fiz a força, eu empurrei. Penso em mais filhos e quero que seja exatamente como foi com a Livia. Passaria por tudo novamente. E vou passar, é meu desejo, é assim que vai ser!

Só não posso deixar de agradecer meu fiel e incansável parceiro. Meu maridão que esteve comigo desde o início, quando fiz o teste de farmácia e ficou comigo no banheiro esperando para ver o resultado. Que participou de todos os cursos comigo. Leu tudo o que eu li, assistiu tudo o que eu assisti. Foi a todos os exames e consultas. Foi mais que um acompanhante, foi ativo, foi companheiro, foi forte, foi incentivador, foi valente. Posso dizer que ele pariu comigo. É, Ju, você pariu comigo!

Para finalizar, só tenho a agradecer. Agradeço a Deus por me proporcionar essa experiência maravilhosa, à minha equipe que tanto me ajudou e deu força e coragem, ao meu super marido, à minha filha linda e forte que chegou no mundo como poucos bebês chegam, mas já mostrando o quanto é poderosa, e àquelas poucas pessoas que acreditaram em mim e me incentivaram a ter meu parto humanizado, quando a maioria me chamava de louca ou duvidava da minha capacidade. Muito obrigada!

 

Relato publicado originalmente no site da Casa Moara