Minha médica ajudou. Num país onde a taxa de cesarianas passa de 50%, a porcentagem dela é 13%. Só quando necessário. Isso traz para o parto todo um olhar de que aquele momento não é um procedimento cirúrgico, não é caso médico, é vida. Mulheres sabem parir.
"Mulheres sabem parir": nascimento da Manuela
Eu escolhi meu parto. Escolhi parir quase de cócoras, sem anestesia, como a natureza manda. Sei que a sorte e a Manuzinha me ajudaram porque parto você não escolhe 100%, mas dá para escolher se preparar para isso. E o parto mudou minha vida.
Eram 11 da noite e eu senti uma dor que não dá para confundir. Me avisaram que contração você dificilmente confunde. Avisei meu marido que quase deu um salto para pegar o relógio e contar o espaçamento entre a dor. Ele tinha um aplicativo que ajudava.
Ligamos para a doula que foi nos acompanhando por telefone, mas só viria para casa duas horas depois.
Aprendi a respirar e gemer, e isso ajuda demais. O ritmo foi esse: a dor numa crescente muito rápida, eu gemendo a cada contração, o Beto contando o tempo. Quando estava muito forte, fui para o chuveiro e a doula chegou, para acalmar ambos.
A única coisa que consegui fazer além de gritar e gemer, era respirar muito fundo e pedir silêncio. Ninguém durante todo meu parto pôde fazer barulho ou encostar em mim. No dia seguinte fiquei pensando porque fiz aquilo, mas hoje sei que o longo preparo para o parto foi meu, quem sentiu tudo que sentiu por 10 meses fui eu; logo, naquela hora, queria eu liderar o que me era de direito, e sem ajuda.
Quando estava com seis centímetros de dilatação, ainda em casa, desci três níveis de escada entre uma contração e outra – correndo tanto que a doula achou que eu ia fugir – e entrei no carro para ir para o hospital. Essa hora não têm jeito, é como nos filmes: a espera dói, e muito.
No hospital entrei no quarto gemendo alto – estava tão imersa no parto (estado de Partolândia como dizem) que não via nem ouvia nada. Ninguém podia fazer um piu que eu gritava. Me colocaram numa banheira e foi maravilhoso. Lá fiquei, no transe do parto – chorando, gemendo, dizendo “por que as pessoas têm filhos, por que, por que”, gemendo e chorando. Duas horas depois a bolsa rompeu, a médica me tirou da banheira e eu me joguei no sofá que vi na frente, meio de joelhos meio de cócoras e lá fiquei até a hora da vontade de fazer coco – que na verdade era minha filha saindo.
Meu marido a pegou quando saiu e a única coisa que eu podia falar, enquanto tremia muito era “você chegou! ”
Depois do parto, eu sabia, tinha mais um mini parto da placenta, mas neste momento eu já estava abraçadinha deitada na cama com minha filha nos braços. Por onde permaneci nas próximas três horas. Ninguém a separou de mim para procedimentos médicos que podiam esperar.
Manuela milagrosamente procurou meu peito para mamar, por instinto, e eu morri de emoção – e de muita dor.
Não fiz episiotomia, não tomei anestesia. Entendi a expressão “foi um parto”, mas valeu cada segundo.
Para isso, teve muito preparo e disposição. Li muitos livros que eram guia de cabeceira para não ser pega de surpresa. O “Parto Ativo” traz vários exercícios práticos, o “Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra” te diz um pouco sobre o encontro que você terá com seu eu, querendo ou não, preparada ou não.
Vi vídeos no YouTube, baixei um app chamado baby center, assisti a muitas séries do Netflix como “Call the Midwife” e “Jane the Virgin”.
Fiz yoga para grávidas, que para mim foi também um divisor de águas. Me empurrou para dentro da gravidez, de mim, da minha filha. Eu ficava tão assustada no começo, quando ainda não tinha entendido como é importante e transformadora a gravidez, que um dia quase desmaiei na aula, quando a professora pediu para fechar os olhos e sentir o bebê. Tive que sentir o que estava sentindo.
Minha médica ajudou. Num país onde a taxa de cesarianas passa de 50%, a porcentagem dela é 13%. Só quando necessário. Isso traz para o parto todo um olhar de que aquele momento não é um procedimento cirúrgico, não é caso médico, é vida. Mulheres sabem parir.
Veio da médica também a sensibilidade de me deixar de joelhos na hora de parir. Quanto mais vertical, mais fácil. A lei da gravidade é pra baixo. Mulher deitada como vemos nos filmes faz pressão no corpo, dói mais e não ajuda. Quer parir, fica na vertical.
Também me preparei conversando com meu marido, trazendo meus desejos para aquele momento, meus medos. Claro que depois muda tudo, mas falar sobre o assunto, programar, entender. Meu marido me viu agachando e levantando por nove meses, me viu de cócoras, me viu treinando respiração com som, ouviu muito “aaaaaaaaaa” pela casa. Na hora do parto, ele me entendeu, respeitou meu transe.
É escolha de cada mulher como quer trazer seu filho ao mundo, mas a alta intervenção médica tem deixado muita mulher no Brasil insegura, achando que parto normal é anormal.
O parto me trouxe muita transformação. Me senti forte, me senti bicho, me senti presente, me senti mulher. O parto me transformou, mas para isso, houve preparo, como tudo que se quer fazer bem feito na vida, tanto o preparo emocional quanto o físico.