Há 4 anos me gestava para esse momento. E ele ocorreu em 30/1, dia em que Teresa, cujo nome significa colheita de verão, escolheu para ser colhida, para vir para a Terra ser sol e iniciar o seu voo e o seu mergulho. E assim, o dia 29/1 continua sendo dia de vazio, pois a saudade é grande e sempre doerá. Mas também virou o dia da metamorfose, do fogo, da mudança, do movimento de águas, do florescer. E, como um dia após o outro, fui presenteada para que ele fosse seguido por 30/1, um amanhecer pleno e iluminado. Estar parindo minha filha bem no dia da partida da minha mãe me deu uma noção tão clara e bela sobre a continuidade da vida, foi uma grande benção que tive oportunidade de viver. Tinha que ser exatamente como foi.
Relato de VBA2C: Nascimento da Teresa
A história do meu parto começa 4 anos atrás. Sem ter passado por tudo o que vivi neste período, esse parto não teria tido tanta luz, significado e emoção como teve. Meu marido, meus filhos Francisco e Isabel, e todos os caminhos certos e incertos da vida me levaram a essa experiência magnífica: meu parto humanizado e maravilhoso, umas das experiência mais divinas que já tive.
Então, voltemos 4 anos… Em novembro de 2014 eu e meu marido nos casamos. Queríamos muito e rapidamente formar uma família grande, com 3 ou 4 filhos, e com idades bem próximas. Esses eram uns dos motivos, entre vários outros, que queria tanto que meu primeiro parto fosse normal.
Em janeiro de 2015 um teste de gravidez positivo nos deixou extasiados e comemoramos intensamente. Exatamente no dia seguinte, minha mãe realizou um exame que detectou um tumor no estômago, precisou ser operada com urgência e em 15 dias faleceu. Era 29/01/15 e eu estava grávida de 8 semanas. De uma das mais intensas alegrias, com o início da gravidez, despenquei num grande abismo de dor, com sua tão inesperada partida. Sempre tive absoluta certeza de que a teria ao meu lado neste momento tão esperado, o de eu me tornar mãe. Por que sua partida justamente agora? Deparei-me com a efemeridade e vulnerabilidade da vida. Minha mãe, tão jovem, tão viva e que com tanta alegria comemorara comigo a minha gravidez não estaria mais aqui? A dor era avassaladora. Por outro lado, a gestação me trazia muita luz, me sentia abençoada, me fortalecia com aquela nova vida. Mas, naquela situação, não conseguia pensar muito no parto, tampouco me preparar para ele. Toda a minha energia estava canalizada em sobreviver, enfrentar aquela tristeza e proteger meu filho. Imaginá-lo em meus braços em alguns meses era minha âncora. Tinha certeza que teria um parto normal e, para mim, bastaria aguardar o momento chegar.
Meu luto foi sendo vivido, a gravidez, aos poucos, sendo assimilada, e o tempo passou, passou… E chegamos a 40 semanas. Numa consulta um dia antes de completar 41 semanas, foi visto que minha pressão estava um pouco alta e meu colo não tinha nenhuma dilatação. Foi optado por me internar no dia seguinte e induzir o parto com misoprostol. Foram 24 horas de medicação e nada de contrações. Era noite, combinei com a médica que iríamos aguardar até a manhã seguinte e, se não iniciasse o trabalho de parto, iria para a cesárea. Afinal, passara de 41 semanas e tinha sido tentada a indução.
Sou médica, compreendia a indicação daquela cesárea, mas não a aceitava facilmente. Sempre quis um parto normal, como nem entraria trabalho de parto? Algo precisava acontecer naquela noite. De repente, iniciaram contrações fortíssimas, muito próximas uma da outra, e, em poucos minutos, a bolsa estourou e o processo intensificou-se ainda mais.
Por 10 horas tive dores fortíssimas, ainda estava numa fase em que me sentia bastante insegura e frágil e não tinha uma equipe com doula nem com obstetriz, que poderia ter me amparado mais. O colo dilatou 1 cm, o bebê continuou alto, as contrações muito próximas eram intensas para mim e para o bebê, acabei indo para a cesárea. Eu estava extremamente feliz de estar me tornando mãe, compreendia a indicação da cesárea, me sentia acolhida e respeitada, mas, com o tempo, veio uma sensação de que talvez algo a mais poderia ter sido feito. Eu ter me preparado melhor para o parto, ter uma equipe multidisciplinar, com mais apoio e com outras abordagens, talvez?
Tive um puerpério desafiador mas maravilhoso e transformador. Mergulhei de cabeça na maternidade. O Francisco me trouxe muita vida, eu e meu marido estávamos muitos felizes e mantínhamos o plano da casa cheia.
Quando ele completou 1 ano, sentimos que era hora de aguardar o próximo membro da família. No mês seguinte, comemoramos intensamente que agora já éramos 4! Nossa Isabel estava por vir.
Fiz pré-natal com a mesma médica. Para mim, se eu entrasse em trabalho de parto espontaneamente, dessa vez, daria certo. Com 40 semanas e 2 dias, para a minha alegria, vieram as primeiras contrações, mas eram espaçadas e com ritmo que variava. Ficaram assim por 2 dias e, numa das idas ao hospital para monitorar o bebê, a cardiotocografia indicou queda da frequência cardíaca do bebê.
Como já tinha uma cesárea, o trabalho de parto ainda não tinha engrenado e o colo não havia modificado, indicando que talvez fosse demorar para o bebê nascer, novamente foi optado pela cesárea. Eu novamente consentia com a decisão de ir para o parto cirúrgico, vibrava com a chegada da minha filha, mas sentia uma perda e um vazio, novamente, de algo a mais que poderia ser feito e não foi.
Conectei-me mais ainda com a maternidade, a Isabel nos trouxe muita leveza e resolvemos entregar para o universo a escolha do momento para o próximo filho. Amamentava em livre demanda e, quando a nossa pequena tinha 8 meses, a menstruação retornou. No mês seguinte vibramos quando soubemos que tinha mais um a caminho. E a terceira era Teresa.
Mais uma vez, iniciei o pré-natal com a mesma médica, uma pessoa que eu gostava e confiava. Ela dizia que até tentaria um parto normal se tudo fluísse muito facilmente, mas que achava que acabaria sendo uma cesárea, devido à forma como meus trabalhos de parto evoluíram. Eu, inicialmente, fingi para mim mesma que aceitava. Contudo, não consegui me esconder por muito tempo. Era vez de reconhecer que eu não era mais a mesma.
Eu tinha descoberto trilhas novas durante o percurso de caminhos antigos. A maternidade e todos seus prazeres e desafios, a defrontação com uma grande perda recentemente, a minha maior experiência como pediatra, tudo isso mudou muito a forma de eu enxergar a vida, o nascimento, a morte e o cuidado. Marcar uma cesárea não era o que eu queria. Não era como eu acredito ser a melhor e mais natural forma de nascer e conhecia os riscos de uma terceira cesárea. Fora isso, permanecia com aquela aceitação incompleta dos partos anteriores, pois admitia que um passo a mais poderia ter sido dado. Por mim mesma.
Então, dessa vez, era a hora, embora parecesse tarde, de dar o passo que ficara paralisado no caminho. E esse primeiro passo era acreditar. Acreditar em mim, no meu corpo, na minha intuição, no meu conhecimento, nas minhas crenças e desejos, que, continuamente, emergiam. E depois, precisava ir além. Não bastava crer, precisava agir, buscar, continuar a construção desse meu caminho e conceber meu próprio parto.
Conversei muito com meus compadres, amigos queridos de faculdade e obstetras (inclusive tinham acompanhado meus outros 2 partos). Falava sobre algo que havia ficado para trás no meus outros partos, como um vazio, e eles concordavam que mais ferramentas poderiam ter sido usadas. Entusiasmados, me contaram sobre o maravilhoso e emocionante parto da filha deles e como estavam cada vez mais envolvidos com parto humanizado, com novos conhecimentos e experiências. Todo esse fervor brilhou ainda mais meus olhos e fortaleceram meus passos nessa nova jornada. E que me levaram até a Dra. Andrea.
Com 20 semanas, ainda caminhando com passos pequenos e encabulados, cheguei para uma consulta com ela. Ela me escutou, acolheu e, com muito conhecimento e sensatez, explicou sobre os benefícios de tentar um parto normal agora, mas sempre deixando claro que haveria riscos e dificuldades maiores a serem enfrentadas por conta das cesáreas anteriores. Porém, daria para deixar meu corpo fluir e ainda utilizar de outros recursos para ajudá-lo, e seguiríamos até onde houvesse segurança. Isso era exatamente o que queria ouvir. Não buscava um parto normal a qualquer custo, eu apenas não queria manter a sensação do “algo a mais” e queria viver o que não havia sido vivido, até onde meu corpo me levasse. Queria tentar, confiar, acreditar, e a confiança dela me abraçou. Saí da consulta com passos mais rápidos e firmes.
Meu marido foi na consulta seguinte e também sentiu-se confiante, o que o fez se envolver cada vez mais com todo o processo. Saindo, ele falou: vai dar certo o parto do jeito que você quer, você só precisa acreditar! Essa frase virou o meu guia. Passei a realmente acreditar e mergulhei profundo. Os meus passos me levaram até um rio. Iniciei o nado.
Certa de que parte da lacuna deixada pelos partos anteriores deveria ser preenchida por mim mesma, fui atrás de quase tudo que estava ao meu alcance. Fiz workshop de Gentlebirth e passei a utilizar os áudios do aplicativo diariamente; li livros (Parto Ativo, Cientificação do Amor, Parto natural mesmo após cesárea e Parto com Amor) e relatos de partos que me inspiraram. Iniciei a busca por uma doula e conheci a queridíssima Priscila Castanho, peça chave nesta jornada, e comecei com seus atendimentos. Com 35 semanas de gestação iniciei uma dieta com baixo índice glicêmico e cortei totalmente farináceos, e na semana seguinte passei a comer 6 tâmaras por dia, entre outras coisas mais. Tudo isso havia sido indicado pela Andrea e pela Priscila, obstetriz, com quem também passava em consulta e de forma muito carinhosa também me acolheu.
O mergulho foi rápido e profundo, já que até a metade da gestação eu estava falsamente convencida que teria uma cesárea e não havia feito nada para me preparar. Nestas profundezas das águas, eu já tinha concebido meu próprio parto, e já o gestava. Conectei-me fortemente a mim mesma, à minha filha, ao meu marido e aos meus outros filhos. Pois esse rio passava pelos mais belos cenários e esse percurso emanava alegria e segurança para meu coração. Eu acreditava cada vez mais. Sabia que estava no rio certo.
Contudo, o ritmo das águas repentinamente alternou. Inesperadamente e contrariando minha mente controladora, numa consulta com a Andrea, na véspera de completar 37 semanas, surgiu uma surpresa: a pressão alta. Com isso, uma mudança radical dos caminhos: o rio precisava desaguar e a Teresa nascer. Contudo, por conta das 2 cesáreas anteriores, a indução do parto só poderia ser feita com métodos naturais. Assim, com menos ferramentas em mãos e necessidade de terminar logo a gestação, passamos a falar em cesárea. E eu, mais ainda do que nas gestações anteriores, sabia da indicação precisa dessa cesárea. Contudo, mais uma vez a aceitação não era fácil. Como assim, justamente agora que estava no percurso certo para ter meu parto normal? Justo agora que havia acreditado, me preparado? Bateu um forte arrependimento por não ter acompanhado com a mesma equipe nas gestações anteriores. Seria uma cesárea sem pelo menos entrar em trabalho de parto? Eu, que tive 2 gestações que passaram das 40 semanas, me senti totalmente surpreendida ao saber que essa gravidez chegaria ao fim com 37. Sabia dos inúmeros benefícios para o bebê em continuar no ventre o máximo de tempo possível e senti culpa por meu corpo estar apresentando uma condição que indicava o término breve da gravidez.
Aquela oscilação súbita das águas quase me afogou, não dava mais pé e não sabia se alcançaria as margens. Deveria sair desse rio e buscar terras conhecidas e firmes ou manter o nado e aprofundar cada vez mais? Não queria desistir e também não adiantaria me chocar contra as águas. Precisei aceitar e me aprofundar ainda mais para o deságue rapidamente acontecer. Apesar da correnteza, sentia-me segura no rio, já tinha conhecimento que me mostrava que ainda era possível e até mais seguro continuar o nado e tinha a Andrea que me amparava e guiava. Com firmeza e confiança, ela me indicava os caminhos e continuamos nadando. Afinal, aquele rio era novo para mim, mas ela já havia passado por muitos outros parecidos, sabia bem para onde ir. E Isso fez toda a diferença.
A pressão estava limítrofe, daria para aguardar um pouco enquanto a indução do parto era tentada, mas isso apenas se exames frequentes afastassem a necessidade de um parto de urgência. “Teresa, minha filha, você precisa nascer. Vamos seguir juntas”. E assim fomos por uma semana. Eu, ela, meu marido, a Andrea, minha doula Priscila, a obstetriz, que passou a ser a querida Natalia. Íamos juntos arquitetando o deságue, mudando de afluentes, passando por correntezas e acelerando o nado para o quanto antes chegarmos nele.
Nesta mesma consulta em que o aumento da pressão foi detectado, a Andrea já realizou descolamento de membranas e massagem do colo foi feita em vários outros atendimentos ao longo dessa semana. Marquei acupuntura para o dia seguinte, e depois fiz mais 3 atendimentos. Iniciei exercícios de spinning baby com minha doula e passei a realizá-los várias vezes por dia, todos os dias, com ela ou com meu marido. Tomei chás indutores do trabalho de parto, usei óleo de prímula, oleo de rícino, rezei, escrevi cartas para minha filha, passei a utilizar ainda mais os áudios de afirmações positivas e hipnose do Gentlebirth, chorei, tive insegurança, medo, confiei, mergulhei.
Passei a medir minha pressão várias vezes por dia, fiz exames para afastar uma possível e grave complicação, que seria a pré-eclâmpsia. Realizei ultrassom e cardiotocografia e fui repetindo todos esses exames a cada 2 dias. Fui internada durante essa semana para realizar um monitoramento mais próximo. Chegamos a marcar uma cesárea, mas, como a pressão estabilizou e mantinha-se a maior parte do tempo baixa, os exames permaneciam normais, o bebê estava bem, e a Andrea estudou e viu que se permanecesse neste cenário seria seguro e benéfico aguardar até completar 38 semanas. Se por um lado ser médica me fornecia conhecimento e segurança em saber que seguíamos a melhor conduta, por outro, me deixava muito preocupada com eventuais riscos e ativava um lado meu muito racional, que naquele momento era justamente a parte de mim que deveria falar mais baixo para permitir o trabalho de parto iniciar e fluir. Foi uma semana extremamente desafiadora para mim.
Recebi alta dia 25/1 e reagendamos o parto para as 38 semanas, que se completariam em 29/1/19. Exatos 4 anos após a data que citei no início desse relato: o dia que minha mãe partiu. Não queria essa data, não queria esse parto, mas sabia da gravidade e possíveis riscos e, até aqui, já ter escolhido tudo o que as circunstâncias me permitiram era extremamente reconfortante. Eu já tinha controlado o controlável. O resto era aceitar e esperar o nascimento mais suave, seguro e acolhedor para a minha filha, não importava a via. E aceitar não significava desistir, tampouco descrer. Seguia veementemente acreditando que o parto normal, após 2 cesáreas, antes de completar 38 semanas, e com uma indução contando apenas com arsenal de recursos naturais, aconteceria. E eu não acreditava sozinha. Obstetra, obstetriz, doula e marido seguiam comigo. E, novamente, isso fazia toda a diferença. E como fez…
Meu corpo foi dando sinais de que estava ouvindo os nossos confiantes pedidos para que ele iniciasse o trabalho de parto. Respondeu muito bem aos estímulos que lhe foram dados no decorrer dessa semana, e na noite de 28/1, véspera da cesárea já marcada, fui internada com um colo com 4 cm de dilatação, mais fino, com bebê baixo, um feito que eu não havia atingido nos partos anteriores, nem com mais tempo de gestação e horas de trabalho de parto. Eu não estava errada em achar que algo a mais poderia ser feito e não foi nas outras gestações. Dessa vez, muita água ainda passaria por esse rio. Restavam algumas horas até o momento da cesárea. Acreditar era ainda mais preciso. E a voz confiante e alegre da Andrea me fortalecia quando ela falava ao me examinar: “Olha só… As coisas estão acontecendo”. De fato, estavam.
Com essa boa evolução do colo do útero e altura do bebê, foi possível tentar mais um recurso. Às 23:00 de 28/1 a bolsa foi rompida e minutos após já senti uma contração diferente, mais forte e mais longa. E a Andrea repetia: “Realmente as coisas estão acontecendo!”. Neste momento, estava também com meu marido e minha doula. Estava pronta para fazer o que fosse necessário para ajudar ainda mais meu corpo, caminhar, mais exercício para o bebê encaixar, qualquer coisa seria bem vinda. Mas a Andrea achou melhor eu tentar descansar.
Bastou ela e a Priscila saírem para as contrações virem mais fortes, mais frequentes. Ainda eram irregulares, mas tinha certeza que as coisas estavam acontecendo, o rio tomava outra movimento e suas águas trariam minha filha, do jeito que eu queria.
Já era 29/1, o tempo foi passando. Mergulhei mais. O rio era muito profundo, com suas águas ora cálidas, ora quase congelantes. A saudade da minha mãe batia forte. Queria seu colo, seu abraço, às vezes, até o seu ventre. Mas também a queria como avó e mãe daquela que se transformava para tornar-se mãe de 3, como ela. Era duro aceitar que sua partida ocorreu 4 anos atrás. Não poderia ter esperado até hoje? Aceitar e me entregar era o caminho.
Em meio de tristeza, essa águas também revelavam muita alegria. Agradecia o tempo todo a ela por ter me gerado e há 36 anos, no mesmo hospital, numa cesárea eletiva, um parto que por muito tempo critiquei, ter me dado a vida. Era momento agora de celebrá-la, abraçá-la, acatando suas divinas e incompreensíveis contradições. Estava num rio que passava por cenários de aceitação, saudade, perdão, tolerância, paciência, luto, ressignificação, alegria, dor, superação, confiança, entusiasmo, medo, vazio e plenitude. Eu paria a minha história e o meu próprio nascimento. Eu dava à luz e também tirava da sombra muitos sentimentos. A tarefa era árdua e profunda, mas muito transformadora.
Palavras, contato, colo, fé, carinhos, músicas, massagens, bola, óleos, chás, aromas, bolsa de água quente, chuveiro, banheira e visualização do momento final do parto me ajudavam neste percurso. Meu corpo seguia respondendo, Teresa descia, meu colo dilatava. Devagar, no seu tempo, que era respeitado. Houve águas turbulentas, outras gentilmente fluidas, momentos de águas tão paradas que até achava que estava voltando para trás e pensei inclusive estar nadando contra a maré. Momentos em que pensei em sair desse rio, seguir por terra outros caminhos, velhos conhecidos.
Minha equipe, peixinhos que nadavam comigo naquele rio, continuavam me guiando, me dando força, me fazendo acreditar. Mas elas apenas me conduziam. Aquele era o meu rio. Só eu podia entrar, saber a hora de sair, medir a profundidade do mergulho, calcular a velocidade do nado. O que me dava uma imensa força e sensação de poder que me ajudavam a chegar ainda mais perto das águas corretas para o MEU deságüe. Parir é um ato extremamente solitário. Só eu poderia passar por isso e sintonizar com meu corpo, mais ninguém.
24 horas após o rompimento da bolsa e início das contrações, comecei a sentir uma intensa exaustão. A água na banheira, que inicialmente teve um efeito gigante, parecendo que me abraçava e aliviava muito a dor, não era mais potente o suficiente. Estava há 4 horas nos 8 cm de dilatação e, toda vez que eu pensava que o ritmo estava lentificando, um lado racional e desconfiado da minha mente tentava amplificar a voz, o que também intensificava a minha dor, e o nado no rio tornava-se mais difícil.
Passei por um momento de intensa introspeccão e reflexão, dentro da banheira, tentando ouvir meu corpo, se ele diria que poderíamos nadar mais ou era hora de um pedir uma boia. Sentia meu corpo continuamente contraído, sem mais um relaxamento reparador entre as contrações, e intuía que isso estava me jogando justamente para o lado contrário de onde queria chegar. Passei a lutar contra as ondas e eram justamente elas que trariam minha filha para meus braços. Queria analgesia. Essa decisão não foi fácil, pois sabia claramente que ela poderia frear esse trabalho de parto que tanto lutei para acontecer. E com o antecedente de 2 cesáreas havia impossibilidade de utilizar outros meios para intensificar as contrações caso fosse necessário. Além disso, nos meus planos, eu tinha certeza de que não precisaria desse artifício. Queria um parto o mais natural possível. Humildade e tolerância com meus próprios limites foram necessárias para reconhecer que já me faltavam recursos. Internos e externos.
Sentido-me ainda insegura pela decisão que havia tomado, chamei a Andrea e disse que queria analgesia. Ela respondeu que chamaria então o anestesista e, com firmeza, acrescentou: esse é o SEU parto. Essas palavras ecoaram fortemente em mim. Sim. Era o meu parto, o meu corpo, a minha vida, o meu rio. Eu cheguei até aqui. Eu escolhi mudar. Eu escolhi tentar. Eu escolhi acreditar. Eu escolhi ser a mulher que eu queria ser. Eu escolhi respeitar a minha intuição, respeitar as minhas vontades e escolhi uma equipe que permitia protagonizar. Toda essa reflexão já começou a me reerguer. Segui na banheira, conversando com meu corpo, mas estava mesmo muito difícil. Parecia que precisava mesmo de uma trégua para me reordenar e seguir adiante.
A Andrea me examinou e viu que permanecia com os 8 cm, sem outras mudanças no colo, e que notava que ele se fechava, ao invés de abrir, durante as contrações, acrescentando que eu iria me beneficiar com a analgesia. O anestesista chegou, recebi a anestesia, fiquei na cama por 20 minutos. Dormi um pouco e logo chegou a Natália e a Priscila para fazer exercícios, pois a Teresa tinha que se posicionar e descer.
Em seguida, a Andrea retornou à sala e seguimos fazendo mais exercícios, agora em pé e de cócoras. Percebia que conseguia me movimentar normalmente e, aos poucos, fui notando o efeito da anestesia passando. Senti-me aliviada. Teria força para o momento do expulsivo, momento do parto que me gerava maior insegurança. Como aluna na faculdade e residente de pediatria, acompanhando na sala de parto nascimentos, infelizmente, presenciei muitos partos com violência ou com anestesia fornecida em excesso, deixando as mulheres enfraquecidas e com muita dificuldade no período expulsivo, e isso tudo ficou fortemente registrado em minha memória. Desde a gestação, sempre que essas imagens negativas vinham à tona, me concentrava no presente e visualizava o momento final do parto, como eu o desejava. Agora, mais do que nunca, era hora de mentalizar esse momento e seguir forte, pois o deságue estava cada vez mais próximo. Iria acontecer exatamente como visualizava.
A Andrea disse que era hora de me examinar novamente, sugeriu fazer isso na banqueta. Ela, novamente com voz de alegria e segurança, disse que as coisas estavam acontecendo. Disse que o colo já estava em 9 cm, a Teresa bem mais baixa, e sugeriu que eu fizesse força quando sentisse a próxima contração. Lembro que ela falou: “Ela desceu, está com 9 cm, vamos chamar a pediatra”. Eu estava totalmente desconectada do tempo, lembro do meu marido comentando que era 1:12 e ele, que estava atrás de mim me amparando, trocou de posição com minha doula pois queria receber a Teresa.
A Andrea indicou eu fazer exatamente a mesma força de novo quando sentisse uma contração. Logo em seguida, comecei a sentir um peso diferente e já sentia novamente as contrações. Percebi que uma nova onda estava iniciando e comecei a fazer força. Senti um turbilhão de energia dentro de mim, me concentrei demais na imagem de meu corpo se abrindo e minha filha nascendo. Foi o momento mais intenso da minha vida. Senti a cabeça saindo e todos entusiasmados dizendo: está nascendo. Coloquei a mão e não acreditava, aquela cena examente do jeito que tanto tinha visualizado acontecia. Daí, logo senti ela girando, o ombro saindo, parecendo que deslizava por mim. Algo extremamente forte e suave ao mesmo tempo. E de forma mágica, sagrada e divina o deságue naquelas esperadas águas ocorreram. Dia 30/1/19, à 1:16 da manhã. Teresa nasceu.
Foi amorosamente amparada pelo pai, que a entregou para mim. E eu, num estado de êxtase e certa incredulidade por aquela cena divina realmente estar acontecendo, a abracei e disse, após uma semana induzindo o parto, 26 horas de contrações: “Filha, como você nasceu rápido!”. Nunca havia vivido algo tão maravilhoso. Eu, meu marido e Teresa nos abraçamos, e olhei para frente e vi a Andrea, Natalia e Priscila fazendo o mesmo. Éramos um forte e coeso time.
Há 4 anos me gestava para esse momento. E ele ocorreu em 30/1, dia em que Teresa, cujo nome significa colheita de verão, escolheu para ser colhida, para vir para a Terra ser sol e iniciar o seu voo e o seu mergulho. E assim, o dia 29/1 continua sendo dia de vazio, pois a saudade é grande e sempre doerá. Mas também virou o dia da metamorfose, do fogo, da mudança, do movimento de águas, do florescer. E, como um dia após o outro, fui presenteada para que ele fosse seguido por 30/1, um amanhecer pleno e iluminado. Estar parindo minha filha bem no dia da partida da minha mãe me deu uma noção tão clara e bela sobre a continuidade da vida, foi uma grande benção que tive oportunidade de viver. Tinha que ser exatamente como foi.
Depois, ficamos quase 2 horas abraçadas, rastejou até o peito, mamou quando e como ela quis. Tudo do jeito que planejei para ela: uma transição entre mundos suave, gentil e amorosa, segura e saudável, como um pouso de uma delicada borboleta, um nascimento lindo. E hoje, escrevendo essas palavras com lágrimas nos olhos e a Teresa nos braços, sei que poderei dizer a essa borboletinha sobre todas as lições que passei com a sua chegada: Voa, filha. Voa alto. E, se precisar, nade profundamente. E que você siga sua intuição, faça escolhas guiadas pelo seu coração, acredite em suas forças, ouça e respeite seu corpo, identifique seus limites, deixe seus sentimentos emergirem e tenha uma vida plena de significado, como foi para mim o seu nascimento. Acredite. E que você, em suas águas, encontre peixinhos sábios e iluminados, como foram seu pai, minha obstetra, minha obstetriz e minha doula nesta passagem para mim. A mais sincera gratidão a vocês por me possibilitarem viver tudo isso.
Meu desejo é que cada vez mais mulheres possam criar seus próprios rios e nadar em suas águas.