Eu só pensava que, a cada uma das contrações e impulsos expulsivos, nosso menino estava um pouquinho mais perto de nós. A analgesia levou embora o sofrimento. Só restou a celebração. Embora estivesse completamente exaurida, eu vivia a melhor sensação desse universo, sem conseguir acreditar no que estava acontecendo – havia, realmente, um ser humano dentro de mim!

Relato de parto normal hospitalar: Nascimento do Vicente

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Foto: Raquel Oliva

Quando comecei a planejar a gestação, sob o acompanhamento da Dra. Andrea Campos, eu havia decidido que meu bebê viria ao mundo, preferencialmente, da forma mais natural possível. Ao descobrir que estava grávida, procurei entregar-me ao poder da natureza, ao sagrado do feminino, para viver toda a potência transformadora que havia dentro de mim.

Entreguei-me mesmo. Fiz do meu corpo morada. Meditei, malhei e pratiquei yoga até o último dia em que abriguei meu menino. Conectei-me com ele com todo o meu ser. É claro que eu senti um frio na barriga, afinal, tudo era novo. Mas, nesta jornada, fez muita diferença estar cercada por profissionais incríveis e afetuosos, como a Dra. Andrea, a obstetriz Pri Raspantini e a doula Raquel Oliva.

Apesar de ter me preparado para dar à luz, em momento algum pensei que conseguiria controlar todo o processo. Ao contrário, uma das minhas buscas era, justamente, deixar fluir, abandonar a necessidade de controle que eu tinha até então. Eu desejava viver o que quer que a natureza me pudesse oferecer…

Desde o começo da gestação, eu antevia, sem razão aparente, que meu bebê não esperaria as 40 semanas. Na 37ª semana de gravidez, em meio ao carnaval de 2019, entendi o que eram os pródromos. Passei a ter contrações mais constantes e acompanhadas de pressão na lombar, sem que evoluíssem para o trabalho de parto. Alguns dias depois, o tampão mucoso saiu.

Eu sentia uma vontade inexplicável de repousar. Nosso corpo é, de fato, incrível! Na quarta-feira, dia 13 de março, dormi por horas e horas e até cheguei a sonhar que meu bebê nasceria dali a algumas horas. À uma da manhã do dia 14, as contrações ficaram constantes e eu já não conseguia mais dormir. Entrei em contato com a Raquel, minha doula, e ela me recomendou que eu tomasse um banho quente de 30 minutos.

Durante o banho, deixei a água quente massagear a lombar. Meditei. Cantei um mantra de que gostava muito. Ao final, voltei a falar com a Raquel para contar que as contrações estavam mais intensas, mas suportáveis. A essa altura, eu esperava ficar em casa até 8cm de dilatação, junto com a doula e a obstetriz. Não foi o que aconteceu.

Após o banho, deitei-me no sofá. De repente, veio uma contração muito forte e a bolsa estourou. Que sensação estranha!… Eu não sabia se me levantava ou se ficava imóvel… Na dúvida, telefonei imediatamente para a Raquel, que me recomendou colocar uma fralda de bebê na calcinha e monitorar os intervalos entre as contrações.

Enquanto meu marido aferia tais intervalos, que diminuíam gradativamente, pelo meu corpo passava algo indescritível. Já não era mais possível ficar deitada. Levantei-me. Mais líquido amniótico escorreu pelas minhas pernas. A fraldinha que estava na calcinha ficou amarela. Mandei uma foto para a Raquel.

Segundo ela, a cor do líquido indicava a presença de mecônio. Não era prudente ficar em casa. Eu deveria correr para o Hospital Albert Einstein, onde a Raquel e a Pri me encontrariam. No caminho, com uma bolsa de água quente nas costas, eu sentia um desconforto que jamais havia experimentado. Quando cheguei no Einstein, às 3h30, sentia dor. Muita dor.

Depois do cardiotoco e da confirmação de que meu menino estava bem, a Pri me avisou que a Dra. Andrea Campos estava em um congresso e que não poderia participar do meu trabalho de parto. A substituta poderia ser a Dra. Andrea Carreiro, que, por coincidência, já estava no hospital fazendo uma cesárea.

O parto é um evento natural, selvagem. Nada está sob o nosso controle. Talvez seja este o maior ensinamento que a natureza nos tem a dar. E, talvez, a melhor forma de viver todo o processo seja abandonando as rédeas e se entregando. Foi o que eu fiz. Recebi a Dra. Andrea Carreiro com todo o meu coração.

Meu corpo havia sido tomado por ondas ininterruptas de contração. Diziam que eu teria um descanso entre elas. Não me lembro de descansar, não. Eu me sentia em pleno mar revolto, tomando caldos e mais caldos, sem conseguir respirar. Eu cheguei a verbalizar para o meu marido que iria morrer…

Nesse momento, pedi analgesia. Eu não estava aguentando. Meu marido me perguntou se eu tinha certeza, se eu não queria ir para a banheira, porque ele sabia que eu desejava ter um trabalho de parto sem intervenção. Eu neguei. A Raquel fez o mesmo, ao que eu respondi negativamente.

Eu tinha, de fato, o desejo de evitar toda e qualquer intervenção. Eu até achava que meu limiar de dor era grande. Contudo, o parto muda todos os nossos paradigmas. A força da natureza nos atropela, arrasta e leva para longe quem éramos até então. Não é só físico; é também emocional.

O anestesista não demorou muito a chegar. Como mal havia intervalos entre as contrações, ele teve que esperar bastante para aplicar o analgésico. A essa altura, não me recordo dos detalhes. Meu marido conta que meus olhos viravam. A partolândia existe, sim.

Quando, finalmente, voltei a mim, a Dra. Andrea falou que o meu bebê havia passado da bacia e que eu poderia começar a fazer força. Em seguida, ela me perguntou se eu não gostaria de tomar mais analgésico, já que me havia sido aplicada uma dose muito baixinha.

Olhei para a Raquel e questionei a opinião dela a respeito. Carinhosamente, ela disse que eu aguentaria sem uma dose adicional. Confiante, e sentindo todo o meu corpo pulsar, fiz força para receber meu filho. Meu marido estava em frente a mim, acompanhando a chegada dele.

Eu só pensava que, a cada uma das contrações e impulsos expulsivos, nosso menino estava um pouquinho mais perto de nós. A analgesia levou embora o sofrimento. Só restou a celebração. Embora estivesse completamente exaurida, eu vivia a melhor sensação desse universo, sem conseguir acreditar no que estava acontecendo – havia, realmente, um ser humano dentro de mim!

Às 5h19, Vicente chegou a esse mundo, pelas mãos do papai, que o entregou ao meu abraço, sob a supervisão de toda a equipe, incluindo a Dra. Tiemi, neonatologista e pediatra. Ao ouvir o horário, surpreendi-me… Quatro horas de trabalho de parto? Eu jurava estar no Einstein há muitas e muitas horas.

Serei eternamente grata ao meu marido, que, a todo momento, desde a gestação, elevou a minha força e acreditou que eu, uma mulher vegana, poderia dar à luz nosso filho; à nossa equipe incrível, competente e amorosa, que nos acompanhou em toda essa trajetória; e às nossas famílias, que respeitaram as nossas escolhas.