Saiba os riscos associados à cirurgia e as situações nas quais a cesárea realmente é indicada

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Foto: Fernanda Sophia

Quando a cesárea é indicada, ela é uma cirurgia que pode salvar a vida de mulheres e bebês. Enquanto em países mais vulneráveis a falta de acesso a esse recurso está associada a um aumento das taxas de morbimortalidade materna e neonatal, em outros contextos, o excesso de cesáreas também associa-se a piores desfechos para a mãe e para o bebê.

Segundo dados publicados em 2018 na revista médica Lancet, o Brasil é o segundo país que mais realiza esta cirurgia no mundo, com uma taxa de 55,5%, ficando atrás apenas da República Dominicana (58,1%). Já na Europa, a taxa de cesáreas é, em média, de 25% e, nos Estados Unidos, 32,8%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a taxa de cesáreas fique entre 10 a 15% dos nascimentos.

De acordo com a OMS, a epidemia de cesáreas é uma questão complexa, que envolve tanto fatores clínicos (associados a mudanças no perfil das gestantes), como fatores culturais – entre eles a crença errônea de que o parto normal seria pouco seguro, o medo da dor e a desinformação.

Saiba os riscos associados à cirurgia e as principais indicações obstétricas para realização do procedimento.

Riscos da cesariana a curto e longo prazo

A cesariana é uma cirurgia que apresenta riscos não só imediatos, como também a longo prazo, podendo impactar futuras gestações. Quando comparamos o procedimento a um parto vaginal, a cesariana está associada a maiores riscos de lesão acidental de vasos sanguíneos e órgãos da cavidade abdominal, como bexiga e intestino; sangramento aumentado e necessidade de transfusão sanguínea; infecção da ferida operatória; complicações anestésicas; dificuldade respiratória do recém nascido (muitas vezes associada ao parto prematuro); fragilidade do vínculo entre mãe e bebê e maior tempo de recuperação para a mãe após o nascimento.

A longo prazo, a cirurgia está associada a diversas complicações em gestações futuras, como ruptura uterina, placenta prévia, gravidez ectópica (quando o embrião se forma fora do útero), infertilidade, histerectomia (remoção de parte ou da totalidade do útero) e acretismo placentário (quando a placenta se fixa profundamente na parede uterina, ultrapassando o limite normal de inserção).

Quando a cesárea é indicada e quando a indicação é mito?

Tendo em vista os desfechos associados à cesariana, é importante que a indicação clínica esteja baseada em evidências científicas, considerando situações nas quais os benefícios da cirurgia superam os possíveis riscos. Algumas indicações de cesárea são:

  • prolapso de cordão, com dilatação não completa: é uma complicação rara, que ocorre quando o cordão umbilical exterioriza-se pelo colo uterino antes da cabeça do feto – trata-se de uma emergência obstétrica, pois o bebê pode comprimir o cordão umbilical comprometendo o aporte sanguíneo;
  • descolamento prematuro da placenta: quando a placenta se desprende da parede interna do útero antes do parto – pode acontecer em decorrência de síndromes hipertensivas, trauma ou não ter uma causa definida.
  • placenta prévia parcial ou total: condição na qual a placenta se implanta na parte inferior do útero, cobrindo parcial ou totalmente o colo do útero;
  • apresentação córmica durante o trabalho de parto: a situação transversa ocorre em menos de 1% das gestações – lembrando que até a 37ª semana pode ser tentada a versão externa;
  • ruptura de vasa prévia: condição em que os vasos umbilicais cruzam o segmento inferior uterino, colocando-se na frente do feto;
  • herpes genital com lesão ativa no momento do trabalho de parto;
  • desproporção céfalo-pélvica, sendo que o diagnóstico só pode ser realizado durante a fase ativa do trabalho de parto e depois de várias horas – lembrando que não há nenhum método capaz de predizer a desproporção antes do trabalho de parto, como pelvimetria clínica, raio x ou ultrassom;
  • frequência cardíaca fetal não tranquilizadora (ou sofrimento fetal agudo): antes da cesárea, devem ser realizadas manobras de ressuscitação intra útero;
  • falha na progressão do trabalho de parto, após tentativa de outras medidas (como correção da hipoatividade uterina com ocitocina e ruptura artificial das membranas). No caso de cesáreas anteriores, o parto vaginal deve ser tentado, pois apresenta uma taxa de sucesso de 70% e baixa incidência de ruptura uterina (leia mais aqui). Em gestações gemelares, o parto vaginal é recomendado quando o primeiro gemelar se encontrar em apresentação cefálica, independentemente do segundo gemelar. A cesariana é preferível quando o primeiro gemelar não for cefálico, e nas gestações gemelares com estimativa de peso baixa e nas com mais de dois fetos. Já para fetos em apresentação pélvica, além da versão cefálica externa até a 37ª semana de gestação, é recomendado levar em consideração o desejo da mãe e a experiência da equipe para a decisão da via de parto.

    Vale reforçar que existem por aí muitos mitos quando o assunto é cesárea. Um dos mais comuns é o “cordão enrolado no pescoço”. A circular de cordão é muito comum, e é resultado da própria movimentação do feto na barriga, estando presente em ⅓ dos bebês no final da gravidez. Essa condição não afeta o bem estar fetal e, portanto, o parto vaginal é perfeitamente possível. Após o nascimento, o profissional de saúde pode desfazer gentilmente a circular, sem apresentar riscos para o feto. Algumas outras indicações fictícias que as gestantes escutam são: obesidade materna, baixa estatura, líquido amniótico reduzido ou em excesso, “bebê muito grande”, entre outros. Na dúvida, é importante sempre procurar a opinião de diferentes profissionais, e pesquisar o assunto em fontes confiáveis.

Medidas para reduzir a “epidemia” de cesáreas

Com o objetivo de reduzir o número de cesáreas realizadas no mundo, a OMS publicou, em 2018, um documento com intervenções não clínicas voltadas para a população em geral, profissionais de saúde e políticas públicas. Dentre as principais recomendações, destacam-se: ações de educação em saúde (como workshops e palestras para gestantes e seus acompanhantes, com conteúdos como fisiologia do parto, métodos não farmacológicos de alívio da dor e vantagens e riscos da cesárea); implementação de diretrizes baseadas em evidências científicas voltadas para profissionais de saúde e políticas públicas que privilegiem modelos colaborativos, envolvendo obstetrizes/enfermeiros obstetras e médicos obstetras, oferecendo um cuidado centrado na mulher.

Como saber as taxas de cesárea dos médicos e hospitais

Caso a gestante esteja sendo acompanhada por um obstetra conveniado a algum plano de saúde, desde 2015 está em vigor uma resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que obriga os planos de saúde a fornecerem às usuárias as taxas de cesárea do plano, dos hospitais ou dos obstetras conveniados ao plano. É possível realizar essa consulta pelo site, telefone ou e-mail. Para consultar as taxas dos hospitais públicos e privados do Brasil, visite o painel da Secretaria de Vigilância em Saúde. A Dra. Andrea Campos tem uma taxa de cesárea de 14%, baseada em um total de 1427 partos assistidos no setor privado, no período de 2004 a 2018. Saiba mais detalhes sobre suas taxas e os grupos de Robson.

REFERÊNCIAS

ACOG. Safe Prevention of the Primary Cesarean Delivery. Número 1, março de 2014, reafirmado em 2019

Errol R Norwitz, MD, PhD, MBA. Cesarean delivery on maternal request. Post TW, ed. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc. https://www.uptodate.com (acessado em dezembro de 2019)

Souza ASR, Amorim MMR, Porto AMF. Indicações de cesariana baseadas em evidências: parte I. FEMINA, Agosto 2010, vol 38, nº8

WHO recommendations non-clinical interventions to reduce unnecessary caesarean sections. Geneva: World Health Organization; 2018.

Médica e obstetra de Parto Humanizado