A toxoplasmose é uma doença causada por um parasita, o Toxoplasma gondii. Ele infecta seres humanos e é geralmente adquirido durante a infância e adolescência.
Quando a toxoplasmose é adquirida pela primeira vez durante a gravidez, os parasitas podem ser transmitidos para o bebê, causando a toxoplasmose congênita.
Os fetos infectados podem apresentar restrição do crescimento e prematuridade. Outras consequências podem ocorrer, como deficiência visual, surdez, macrocefalia, microcefalia, crises convulsivas e deficiência mental.
Probabilidade de infecção
Quanto maior a idade gestacional no momento da infecção materna, maiores as chances do bebê ter toxoplasmose congênita. Entretanto, a freqüência de sequelas graves no bebê é maior quando a infecção ocorre no início da gestação.
Uma metanálise estimou a probabilidade de transmissão da doença da mãe para o bebê em três fases da gravidez. Com 13 semanas, as chances são de 15%. Com 26 semanas de gravidez, há 44% de probabilidade de o bebê ser infectado. E com 36 semanas essa probabilidade aumenta para 71%.
Já a chance de desenvolver sequelas clínicas diminuiu 4% por semana adicional de gestação, de acordo com a a Revisão Sistemática de Toxoplasmose Congênita (SYROCOT).
No entanto, esses números são só estimativas. Um outro estudo concluiu que as chances de doença provocar sequelas graves quando a contaminação ocorre com 13, 26 e 36 semanas são outras: 61, 25 e 9%, respectivamente.
Sintomas da toxoplasmose
A infecção materna aguda geralmente é assintomática em mais de 80% dos casos. Quando os sintomas da infecção ocorrem, eles são tipicamente inespecíficos e leves: febre, calafrios, suores, dores de cabeça, dor muscular, dor de garganta, aumento do fígado e do baço e/ou uma erupção de pele avermelhada e sem coceira. Os episódios febris geralmente duram de dois a três dias.
Aumento dos gânglios é o sintoma mais comum. É tipicamente bilateral, simétrica, não dolorosa e na região do pescoço. Os linfonodos são geralmente menores que 3 centímetros de tamanho. Ao contrário da febre, que dura alguns dias, esse aumento dos linfonodos pode persistir por semanas.
Uma doença ocular pode ocorrer com doença aguda, mas é mais comum quando existe uma reativação de uma doença antiga. Apresenta-se com perda visual ou visualização de manchas móveis.
Quando a doença é diagnosticada na gravidez, o tipo de tratamento utilizado é baseado na idade gestacional no momento do diagnóstico. O tratamento pode continuar se a infecção do bebê acontecer, mas a eficácia ainda é controversa.
A evidência mais confiável vem da revisão sistemática sobre toxoplasmose congênita (SYROCOT), feita com 1438 mulheres. Nesse estudo, a conclusão foi que o tratamento iniciado precocemente, após a infecção ser detectada, reduziu a transmissão de mãe para filho em comparação com o tratamento iniciado tardiamente.
Há evidências de redução de sequelas neurológicas graves e de morte pós-natal em crianças com toxoplasmose congênita cujas mães foram tratadas durante a gravidez, de acordo com um estudo europeu feito com 293 fetos infectados.
Como acontece a infecção
Em países desenvolvidos, de clima temperado, acredita-se que a principal fonte de infecção materna seja a ingestão de contaminantes contidos em carnes ou subprodutos crus, mal cozidos ou curados.
A ingestão materna dos esporozoítos (ovinhos) pelo consumo de solo ou água contaminados ou frutas e vegetais contaminados com solo também é uma das principais fontes de infecção.
Os animais de alimentação (porcos, galinhas, cordeiros, cabras) são infectados pelas mesmas vias que os humanos, resultando em carne contendo bradizoitos (outra forma infectante).
Outras fontes potenciais de infecção materna incluem beber leite de cabra não pasteurizado e comer ostras, moluscos ou mexilhões crus colhidos de água contaminada.
Um transplante de órgão infectado ou transfusão de sangue é uma fonte rara de infecção.
Toxoplasmose e gatos
Embora muitas vezes os gatos levem a culpa pela toxoplasmose, é difícil se contaminar pelo contato com eles. Os felinos são os hospedeiros definitivos e, portanto, os únicos animais em que o Toxoplasma gondii pode completar seu ciclo reprodutivo. Eles podem lançar milhões de oocistos (outra forma infectante) diariamente, mas só por um período curto, que varia de uma a três semanas, e quando são contaminados pela primeira vez. Depois disso, o gato para de eliminar os oocistos nas fezes e se torna imune à doença.
A probabilidade de uma pessoa ser contaminada por um oocisto excretado pelo gato de estimação é a mesma de ser exposta ao parasita excretado por gatos de outras pessoas. Além disso, gatos domésticos que não saem para caçar e são alimentados com comida processada não oferecem riscos. Portanto, não é preciso se livrar dos gatos de estimação e evitar chegar perto de felinos durante a gestação. O único cuidado recomendado é não ter contato com a caixa de areia do animal.
Como saber se a mulher é imune ou não?
Faz parte dos exames básicos feitos no pré-natal a pesquisa da sorologia para toxoplasmose. A pesquisa é feita por exame de sangue onde são pesquisados o IgG e o IgM para toxoplasmose. Quando somente o IgG está positivo, significa que a mulher já teve contato com o toxoplasma e é imune à doença. Se o IgG é negativo, geralmente o exame é repetido com o passar do tempo para avaliar se não ocorre uma infecção na gravidez. Já o IgM positivo pode ser sinal de infecção recente.
Em países desenvolvidos, de clima temperado, 10 a 50% dos adultos entre 15 e 45 anos apresentam evidência sorológica de infecção pelo T. gondii (imunidade ou IgG positivo).
Como evitar a toxoplasmose
● Evite beber água não filtrada em qualquer ambiente.
● Evite ingerir terra, observando a higiene rigorosa das mãos após tocar o solo (por exemplo, jardinagem). Frutas e vegetais devem ser lavados antes de comer. A lavagem das mãos é a medida mais importante para reduzir a transmissão de microorganismos de um local para outro.
● A carne crua ou mal cozida é uma importante fonte de infecção. Tábuas de corte, facas, balcões e pia devem ser lavados após a preparação dos alimentos. Evite contato com mucosas (boca, olhos) ao manusear carne crua. As mulheres também devem evitar provar a carne enquanto cozinham.
● A carne deve ser cozida a 66ºC ou mais ou congelada por 24 horas em freezer doméstico (a menos de -12ºC), ambos letais para as formas infectantes. O congelamento da carne antes do consumo parece ser a intervenção mais eficaz na prevenção da toxoplasmose transmitida pela carne. A carne de gado confinado é menos provável de ser contaminada do que a carne de gado criada ao ar livre. Há evidências fracas de que a carne que foi defumada ou curada em salmoura não é segura.
● Evite comer moluscos crus, pois a água do mar pode ser contaminada por oocistos de T. gondii que sobrevivem ao tratamento de esgoto
● Possuir um gato é apenas fracamente associado à infecção aguda. No entanto, parece sensato que as mulheres grávidas com gatos peçam a outra pessoa que troque a caixa de areia diariamente (as fezes de gato frescas não são infecciosas).
● Após infecção por toxoplasmose, o ideal é que a mulher aguarde de 3 a 6 meses para engravidar.
Cuidados com os alimentos
Para evitar toxoplasmose e outras doenças que podem ser transmitidas através dos alimentos contaminados, são recomendados os seguintes cuidados em relação a compra, armazenamento, preparo, cozimento e ao servi-los:
Compra
- Não compre alimentos já cozidos armazenados próximos a alimentos crus, mesmo que sejam armazenados no gelo.
- Não compre alimentos em latas amassadas, rachadas ou com uma tampa protuberante.
Armazenamento
- Certifique-se de que os produtos de carne e aves sejam refrigerados quando comprados.
- Use sacolas plásticas para evitar que sucos de carne e peixe toquem outros alimentos.
- Armazene itens perecíveis na geladeira dentro de uma hora após a compra.
- Mantenha a temperatura do refrigerador entre 0 e 4 ° C e a temperatura do freezer a -18 ° C ou abaixo.
- Congele carne e aves que não serão cozidas em 48 horas.
- Congele atum, anchova e mahi-mahi que não serão cozidos em 24 horas. Outros peixes podem ser armazenados na geladeira por 48 horas.
- Não guarde os ovos na porta da geladeira (já que esta é a parte mais quente da geladeira).
- Coloque as sobras na geladeira dentro de 2 horas depois de cozinhá-las.
- Divida as sobras em partes e armazene em pequenos recipientes.
- Reaqueça as sobras 74 ° C antes de comer.
Preparo
- Lave as mãos com água e sabão antes de cozinhar e depois de manusear carne crua, aves, peixe ou ovos crus.
- Descongele carnes congeladas e pescados na geladeira ou no microondas, não deixando-as fora.
- Marinar os alimentos na geladeira, não à temperatura ambiente.
- Evite o contato de alimentos cozidos com garfos, colheres, facas, pratos ou áreas que possam não estar limpas.
- Lave os garfos, colheres, facas, pratos e áreas de corte com sabão e água depois de tocar em carne crua, aves, peixe ou ovos.
- Evite deixar os sucos de carne crua, aves ou peixe tocar alimentos cozidos ou alimentos que serão comidos crus.
- Lave cuidadosamente todas as frutas e legumes frescos.
- Evite receitas que incluam ovos crus.
Cozinhando
- Use um termômetro de carne.
- Cozinhe carne bovina, vitela e cordeiro (bifes, assados, costeletas) a 63° C e descanse por 3 minutos.
- Cozinhe carne moída, carne de porco, vitela e carneiro a 71° C
- Cozinhe as aves (frango, peru) a 74° C
- Cozinhe carne de porco fresca (assados, costeletas, presunto que não esteja pré-cozida) a 63° C e descanse por 3 minutos.
- Cozinhe o presunto pré-cozido a 60° C
- Cozinhe o peixe até que a carne fique firme e se separe facilmente com um garfo.
- Cozinhe o marisco até que a carne esteja firme.
- Cozinhe os ovos até que a gema e o branco estejam firmes.
- Ferva os sucos de carne crua ou peixe antes de usar em alimentos cozidos.
Servindo
- Sirva os alimentos cozidos em pratos limpos com garfos, colheres e facas limpas.
- Mantenha alimentos quentes a 60° C e alimentos frios abaixo de 4° C.
- Nunca deixe alimentos à temperatura ambiente por mais de 2 horas, ou 1 hora, se a temperatura do ambiente for superior a 32° C.
- Use coolers e bolsas de gelo para levar alimentos perecíveis longe de casa.
Leia a Entrevista do infectologista Thiago Zinsly Sampaio Camargo, que também falou sobre a toxoplasmose na gravidez para o blog da Casa Moara:
Casa Moara – Aumentaram os casos de toxoplasmose em SP? E no Brasil?
Dr Thiago Camargo – Existiu recentemente um grande surto em Santa Maria no RS que foi oficializado em abril de 2018 (talvez o maior do mundo, inclusive). No consultório, percebemos atualmente um número de casos maior que o habitual na cidade de SP, mas estes dados da cidade ainda estão sendo analisados pelos órgãos responsáveis. Após esta análise, que deve ser concluída em breve, saberemos se estamos tendo mais casos que o esperado normalmente.
Casa Moara – Como a toxoplasmose é trasmitida?
Dr Thiago Camargo – As formas mais comuns de contrair toxoplasmose são: ingestão do protozoário (parasita) direto do meio ambiente; ingestão de carne de animais infectados – ou de frutas ou vegetais contaminados; transmissão da mãe para o feto – também conhecida com transmissão vertical; ou transmissão através de um transplante de órgãos de um doador infectado.
Casa Moara – Quais cuidados devemos adotar para prevenir a doença?
Dr Thiago Camargo – A prevenção é baseada em: cozinhar bem as carnes; lavar as tábuas de corte e/ou outros utensílios de cozinha com água quente e sabão após o contato com carne crua; não tomar leite não pasteurizado; lavar bem frutas e vegetais; evite frutos do mar crus que possam ter vindo de águas contaminadas; evite contato com terra ou areia que possam estar contaminadas com fezes de gatos – se o contato não puder ser evitado, use luvas e depois lave as mãos com água e sabão. Gatos domésticos que são alimentados com comida processada seca ou enlatada não representam um risco – já os que comem carne crua sim.
Casa Moara – Existem vacinas para prevenir a doença?
Dr Thiago Camargo – Infelizmente não existe uma vacina para prevenção da doença. Entretanto, no Brasil, estima-se que 78% da população adulta já foi contaminada pelo toxoplasma previamente, não sendo susceptível a uma nova infecção – ou seja, já tem imunidade para a doença.
Casa Moara – Algum grupo deve ter algum cuidado especial para a doença?
Dr Thiago Camargo – As gestantes com sorologia negativa para toxoplasmose (isto é, as que nunca tiveram a doença previamente) devem ter atenção especial às formas de prevenção que conversamos acima. E, caso tenham a doença durante a gestação, a medicação especifica deverá ser iniciada. Já os pacientes imunossuprimidos (transplantados, HIV ou realizando tratamentos que diminuam sua imunidade) também devem ficar atentos. Neste caso, tanto para a infecção, como uma reativação da doença – que pode acontecer neste grupo.
Casa Moara – O que você atribui a ocorrência desse surto?
Dr Thiago Camargo – O surto recente de Santa Maria no RS ocorreu provavelmente por contaminação da água ou hortaliças. Entretanto, o parasita não foi identificado em nenhuma fonte ambiental dos pacientes infectados.
Casa Moara – Como a doença é tratada? Pode deixar sequelas?
Dr Thiago Camargo – Nos pacientes que não tem problemas de imunidade somente tratamos a forma ocular da doença. Já nos indivíduos com imunidade comprometida (HIV, transplantados, entre outros) utilizamos uma combinação de antibióticos por algumas semanas. Nas gestantes, utilizamos medicações diferentes dependendo da idade gestacional e da eventual confirmação da infecção fetal. No imunocompetente geralmente a infecção pode trazer muitos sintomas como febre, aumentos dos gânglios, cansaço e anemia, mas é auto limitada e não precisa de tratamento. É importante dizer que a forma ocular pode comprometer a visão de forma definitiva.
A infecção fetal pode trazer consequências graves, entre elas alterações cerebrais importantes, cegueira e abortamento. Entretanto, não é sempre que a gestante contaminada durante a gravidez transmite a doença para o feto. Além disso, existem medicações que diminuem a chance desta transmissão.
Fontes:
Dicas para manuseio seguro de alimentos
United States Department of Agriculture. Food Safety. Available at http://www.foodsafety.gov (Accessed on January 19, 2016).
UpToDate, Toxoplasmosis and pregnancy, Ruth Gilbert, MD, Eskild Petersen, MD, DMSc, DTM&H, last updated: Nov 26, 2018.
Casa Moara – Toxoplasmose; o que é a doença e como se prevenir