Em todo o mundo, cerca de 140 milhões de mulheres dão à luz todos os anos. O parto é um evento corriqueiro no dia a dia hospitalar, e os profissionais estão habituados ao seu manejo clínico. Os conhecimentos sobre parir, enquanto evento fisiológico, são aprofundados e muito difundidos, obstetras são preparados para saber como iniciar, acelerar, terminar, regular ou monitorar o processo fisiológico, para garantir um parto seguro do ponto de vista clínico.

Entretanto, o parto não se resume a isso. Embora o manejo clínico seja um conhecimento essencial, é importante também dar atenção à qualidade e aos impactos emocionais dessa experiência para a mulher. A crescente medicalização do processo e a pouca importância dada à necessidade de fazer com que as mulheres se sintam seguras, confortáveis e positivas sobre o parto compõem uma abordagem que, já é entendido, pode minar a capacidade de uma mulher de dar à luz, e afetar de maneira negativa a experiência dela com algo que deveria ser positivamente transformador em sua vida.

Os cuidados com o bem-estar emocional da mulher são tão importantes para um parto seguro e um pós-parto saudável que a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou, em 2015, a Estratégia Mundial para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, um documento implementado em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) para estimular os países signatários, como o Brasil, a garantirem que não só as mulheres sobrevivam às complicações do parto, se surgirem, mas também que elas prosperem e alcancem todo o seu potencial para a saúde e a vida. Para atingir esse objetivo, a OMS reuniu recomendações para um parto e pós-parto seguros do ponto de vista clínico, e que também atendam as necessidades psicológicas e emocionais das mulheres.

O que a OMS recomenda para um parto seguro

O documento procura garantir que as mulheres dêem à luz em um ambiente que, além de estar seguro, de uma perspectiva médica, também lhes permita ter um senso de controle e um sentimento de realização pessoal. Para que isso aconteça, ela deve poder verdadeiramente se envolver na tomada de decisões.

Adotar uma filosofia centrada na mulher e uma abordagem baseada nos direitos humanos abre as portas para muitas das opções de cuidado que as mulheres querem, como o direito de ter um acompanhante de escolha durante todo o parto e nascimento, bem como a liberdade de se movimentar durante os estágios iniciais do trabalho de parto, e escolher sua posição para o nascimento. Essas recomendações, além de baseadas em evidências, otimizam a saúde e o bem-estar e já demonstraram ter um impacto positivo na experiência de parto das mulheres.

A Organização Mundial de Saúde determina que as unidades de saúde devem, além de fornecer o atendimento clínico específico para o trabalho de parto, garantir que as mulheres sejam tratadas com respeito, e que tenham o básico de fluidos orais e alimentos durante o trabalho de parto e o parto.

O documento da OMS preconiza também que a continuidade dos cuidados, o monitoramento regular e a documentação dos eventos, bem como a comunicação clara entre os médicos e os pacientes, são essenciais para uma boa qualidade de trabalho de parto, e toda mulher e seu bebê devem recebê-los.

A Estratégia Mundial para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente é complementada pela recente diretriz da OMS sobre a prestação de cuidados pré-natais para uma experiência positiva de gravidez, lançada em 2018.

A diretriz Making childbirth a positive experience (Fazendo do parto uma experiência positiva) contém 56 recomendações baseadas em evidências, detalhando os cuidados clínicos e não clínicos que são necessários durante todo o trabalho de parto e imediatamente depois do parto para as mulheres e para os recém-nascidos. Um dos principais tópicos deste documento reconhece que todo trabalho de parto é único, e que nem todos progridem na taxa de referência de 1 centímetro por hora de dilatação cervical. Esta taxa de referência tem sido usada há décadas e, em um partograma, alerta o atendente de parto de que o trabalho de parto está progredindo anormalmente quando não é alcançada essa taxa.

Ao reconhecer que a taxa de dilatação de 1 centímetro por hora pode não ser realista para algumas mulheres, a diretriz recomenda que esse fator isoladamente não seja uma indicação rotineira de intervenção médica para acelerar o parto. Na prática, há variações consideráveis em como o progresso normal do trabalho de parto é definido em termos de padrão de dilatação cervical e limites de tempo seguros. Difundindo esses conceitos, a OMS ajuda a reduzir substancialmente a taxa crescente de cesarianas desnecessárias que atualmente atingiu uma proporção epidêmica.

Medicalização do parto

Apesar de muitos esforços e pesquisas, o conceito de “normalidade” no trabalho de parto e parto não é padronizado. O modelo predominante de atendimento em muitas partes do mundo é aquele em que um profissional de saúde controla todo o processo.

Nos últimos 20 anos, houve um aumento substancial na aplicação de uma série de intervenções para iniciar, acelerar, terminar, regular ou monitorar o trabalho de parto. Há evidências de que uma proporção substancial de mulheres é submetida a pelo menos uma intervenção obstétrica durante o trabalho de parto e parto.

Gestantes saudáveis continuam sujeitas a intervenções de rotina ineficazes e potencialmente nocivas, como a tricotomia (raspagem dos pelos pubianos), o enema (lavagem intestinal), a amniotomia (rompimento da bolsa), os fluidos intravenosos, os antiespasmódicos e os antibióticos para partos vaginais sem complicações.

A medicalização excessiva dos processos de parto tende a minar a confiança da mulher em sua capacidade de dar à luz e afeta negativamente sua experiência de parto.

Isso acontece porque as intervenções de rotina nocivas são antagonistas às expectativas das mulheres sobre a experiência do parto. Um estudo qualitativo e sistemático para entender o que as mulheres querem, precisam e valorizam durante o parto serviu de base para a elaboração da diretriz da OMS. Os resultados dele mostraram que as mulheres querem uma experiência de parto positiva, que atenda ou exceda suas crenças e expectativas pessoais e socioculturais anteriores. De acordo com o documento, “isso inclui dar à luz um bebê saudável, em um ambiente seguro do ponto de vista clínico e psicológico, com continuidade do apoio prático e emocional da(s) companheira(s) de parto, e equipe clínica gentil e tecnicamente competente. A maioria das mulheres deseja um trabalho de parto e nascimento fisiológico, além de ter um senso de realização e controle pessoal por meio do envolvimento na tomada de decisões, mesmo quando intervenções médicas são necessárias ou desejadas”.

Para saber mais sobre as recomendações da OMS para um parto seguro e uma experiência de parto positiva, vale a pena ler a diretriz atualizada, com 56 recomendações abrangentes e consolidadas sobre cuidados intraparto para gestantes saudáveis e seus bebês. O documento reúne recomendações novas e pré-existentes que, quando entregues como um pacote de cuidados, garantirão uma assistência de boa qualidade e baseada em evidências em todos os contextos.

Esta diretriz atualizada, abrangente e consolidada sobre cuidados intraparto para gestantes saudáveis e seus bebês reúne as recomendações existentes e as novas e antigas da OMS que, quando entregues como um pacote de cuidados, garantirão cuidados de boa qualidade e baseados em evidências em todos os contextos.

Além de estabelecer práticas clínicas e não clínicas essenciais que sustentam uma experiência positiva de parto, a diretriz da Organização Mundial de Saúde destaca práticas de cuidados intraparto desnecessárias. Tais intervenções, que não são baseadas em evidências, são potencialmente prejudiciais, enfraquecem a capacidade de parto inata das mulheres, desperdiçam recursos e reduzem a equidade.

Veja a lista dos Cuidados Intraparto para uma Experiência Positiva de Parto da OMS de 2018.