Parir é mergulhar em nossas próprias entranhas. É se redescobrir. É sentir um poder tão grande que não tem como não sair indiferente dessa jornada. Cerquem-se de profissionais que acreditam nisso e entreguem-se ao processo, pois nosso corpo se encarrega do resto!

Três partos prematuros: Fernando, Eduardo e Elena foram bebês apressados

Fernando, Eduardo e Elena foram bebês apressados. O primeiro veio com 34 semanas e os dois últimos com 36.
A chegada dos 3 começou exatamente igual: com um “ploc” incrivelmente audível. Minhas bolsas estouraram nas 3 vezes, mas o que aconteceu na primeira vez não se repetiria nunca mais.
Fui vítima de um sistema violento, onde o protagonista da história era o obstetra. Tive que escolher entre minha mãe e meu marido pra me acompanhar no pré-cirúrgico. Fui obrigada a receber ocitocina, toques e a ficar imóvel numa cama enquanto sentia dores absurdas. Ouvi que não era possível querer parir “que nem Índia em pleno século 20”. Fui levada ao extremo até desistir daquilo que tinha pensado ser “um parto normal”. Entrei naquele centro cirúrgico com a sensação de derrota. Fui submetida a uma cirurgia por conveniência da equipe médica e não por necessidade real.
O Fernando nasceu prematuro mas 3 dias depois tivemos alta juntos. Os dias que se seguiram foram duros: não tive orientação alguma sobre amamentação. Era uma menina de 22 anos com um bebê prematuro, no puerpério, recuperando-se de uma cirurgia. Resultado: ele foi amamentando no seio com complemento até os dois meses, quando o largou de vez.
Tinha a sensação de que havia falhado nesse processo: não pari, não amamentei… Mas meu filho estava ali, bem, comigo. Como podia me sentir triste? Frequentei milhares de fóruns sobre parto humanizado, dei meu relato e fui acolhida por outras mães que carregavam o mesmo sentimento. Levei um bom tempo até conseguir digerir tudo aquilo.
Corta. Estamos em 2015 e 10 anos haviam se passado. Fui surpreendida com um positivo novamente. Da mesma forma como foi com o meu primeiro filho. Na mesma época que havia engravidado da primeira vez, no mês de agosto! Eu já tinha munição suficiente para fazer escolhas melhores. Sabia o que queria e sabia que tinha que ter o suporte certo pra fazer aquilo dar certo. Parto Domiciliar estava fora de cogitação, pois meu marido não seguraria a onda e eu não conseguiria me entregar ao processo. Escolhi um Parto Humanizado hospitalar e fui pesquisar minhas opções. Já estava tudo arranjado, consultas marcadas… mas perdi o bebê com 8 semanas, no dia do meu aniversário, e aquilo acabou comigo.
Passei pelo meu luto e dois meses depois estava lá o positivo novamente. Foram 3 meses de incertezas até respirar tranquila. Dra. Andrea e sua equipe me acompanhariam nessa jornada. Maira Duarte foi a doula que iria me ajudar a construir essa estrada até o momento. E assim passamos os próximos meses: pavimentando esse caminho até o topo. Tudo com muita leveza. Eu li relatos de parto. Eu assisti filmes sobre humanização. Eu fiz epino. Eu estava pronta!
36 semanas. Uma sexta de feriado quente e ensolarada, bem atípica pro mês de Junho. E, ao virar de lado na cama, aquele velho som conhecido: ploc! Lá estava eu de novo! Aviso meu grupo no WhatsApp de que o bebê estava vindo e a Andrea me passa algumas orientações. Todo mundo do meio estava numa conferência sobre humanização a algumas quadras de casa. A Maira tenta me tranquilizar e diz que estará comigo em algumas horas (pois voltava de um parto no interior).
Levanto, tomo banho, coloco um absorvente e bora ir pra padaria tomar café, afinal, o processo pode durar algumas horas né? Mas uma cólica chata não me deixa em paz. Chego na padoca e, do mesmo jeito que chego, dou meia volta e saio. “- Não tá legal, tá doendo muito. Quero água quente.” Volto pro flat onde estávamos morando na época por conta de uma reforma e tento me encontrar no meio desse turbilhão de sensações.
Ligo pra minha xará e amiga de longa data que havia decidido mergulhar no mundo da humanização e estava aqui em SP pro mesmo congresso. Dias antes, Julia tinha vindo me dar um beijo na barriga e me avisou: “quando faço isso os bebês nascem hein?” Pois é. “- Pelo amor de Deus vem pra cá que eu não sei o que fazer!!!” pedi. E ela veio como um raio.
Água, chuveiro, massagem, acolhimento. Chega a Maira. Óleos, posições, massagens, mais água. Eu perco a noção das horas e não consigo me conformar com a dor que eu estava sentindo. Chega a Priscila, obstetriz que não tive tempo de conhecer antes daquele momento. Fazemos o toque. Dois dedos.
Minhas contrações estão improdutivas. Chama o Tomas – acupunturista – que também está no Siaparto. Ele chega e me espeta em mil lugares. Eu só lembro de repetir em looping: “- porque tá doendo tanto? Era pra doer assim tão cedo? Tá errado!!”
Eu passei 7 horas nesse processo. A Pri mede de novo. Oba! 6 dedos!
“- Podemos ir pro hospital? Eu quero ir antes que tudo piore.” Júlia me pergunta: vamos colocar o biquíni que vc separou pra isso? Eu respondo que não, que pelo amor de Deus precisava ir embora.
Chego no hospital e tenho que ficar no pré cirúrgico por conta da prematuridade. Me enfio embaixo do chuveiro. Minha doula me tranquiliza. Escuto encherem a banheira. Escuto meu marido avisando a família que vai nascer. Penso: “- agora não, muito cedo!” Alguém me oferece uma camisola de hospital, pois estou nua. Coloco e 5 minutos depois arranco tudo. Me sinto um bicho, tentando encontrar uma posição pra passar por tudo aquilo. A banheira tá cheia. Pulo dentro dela. Não tenho um minuto de sossego, pois minha cabeça está fervendo: “- isso não tá certo, tá doendo, eu quero anestesia.”
De novo perco noção das horas. Não consegui comer ou beber nada desde as 7 da manhã. Estou entorpecida! Saio da banheira pra avaliar a situação: meu pai do Céu, 7 dedos!
Tenho a sensação que estou prestes a apagar, mas a dor não deixa. É como se meu corpo fosse um carro que acelera e breca ao mesmo tempo.
Sento na banqueta, a Andrea tenta me animar dizendo que vai ser rápido. Eu escuto mas não consigo assimilar. Choro. Grito. Urro. Minha família chega. Penso: “- Tudo errado!!! Socorro, alguém me salva!!”
Não entendia que a única que podia me tirar dessa situação era eu mesma!
Vou berrando que quero anestesia. A equipe, muito doce, vai tentando me ajudar a passar por aquilo sem abrir essa porta, afinal, era o que eu queria: um parto natural. Além disso, anestesia tão cedo pode travar o TP. Mas no final, com 8 dedos, eu jogo a toalha e berro com todas as minhas forças que eu não quero mais. O anestesista então chega e me diz calmamente: “ – a próxima contração você não vai sentir mais. Respira.”
E assim foi. Tudo desapareceu. A fome veio. A sede, como se tivessem desligado um chave. Eu conseguia andar, agachar, me movimentar mas não sentia mais nada. Não podia sentir meu filho chegando. Duas horas depois, com a assistência da Pri pra me dizer a hora de fazer força e metade do corpinho ainda dentro de mim, eu tiro meu filho de mim direto pro meu peito. 12 horas e 30 minutos de TP.
Tinha tanto amor naquela sala pra recebê-lo. Tanto respeito e cuidado, como eu queria que fosse. O pai corta o cordão, ainda meio entorpecido com a experiência. O bebê mama enquanto a placenta sai. Linda. Vamos pro quarto e eu estou eufórica. Sentada de perna de índio na cama, sinto uma energia absurda. “- Poderia correr uma maratona”.
Bem, praticamente, foi o que eu tinha acabado de fazer. O Eduardo mamou exclusivamente no seio desde a hora em que nasceu até os 6 meses. E eu consegui manter a amamentação por 1 ano e 3 meses. Vitória!
Porém, a experiência do seu parto me deixou com um mix de sentimentos. Tinha sido lindo, visceral, mas não como havia imaginado. Apesar de ter tudo que precisava ali, eu não estava presente. Tentei fugir, gritei, achei que alguém tinha que me salvar daquela situação. Idealizei tanto que não consegui viver o meu parto e busquei uma rota de fuga. A anestesia foi uma fuga minha. E, lá no fundo, aquilo me deixava triste.
Agosto de 2017: positivo. De novo. Na mesma época do primeiro filho. Foi o presente de dia dos pais daquele ano. Eu não esperava, não planejava e nem nunca havia imaginado a possibilidade de tentar um terceiro bebê. Mas ele veio. Ela. Elena crescia lindamente dentro de mim. Lembro de ter enviado um WhatsApp pra Andrea com a foto do teste e a frase: está pronta pra mais uma jornada?
Dessa vez eu já sabia o que tinha que trabalhar em mim. E, por querer mexer de forma mais intensa no lado psicológico desse processo escolhi a Janie Paula como doula. O objetivo dela era me dar contenção durante o parto. Dessa vez fiz algumas coisas diferentes: não li relatos. Não assisti filmes. Não fiz cursos. Deixei a gravidez rolar sem grandes ambições ou ansiedades relacionadas ao dia D.
Com 34 semanas meu colo já apresentava 3 cm de dilatação. Estava em alerta desde as 32 semanas, por conta de algumas contrações. Meu corpo sabia o que estava rolando. A máquina estava azeitada e a Andrea sempre me dizia: “ – dessa vez vai ser rápido, você vai ver. Vamos fazer de tudo pra chegar até as 36 semanas pra ficarmos tranquilas!”
Em repouso relativo desde as 33 semanas em casa bateu uma vontade maluca de arrumar as coisas: quarto, guarda roupa, playlist do parto, mala, lembrancinha. Tudo pronto. Chegamos nas 36 semanas e eu pensava: “ – Pode vir filha! Estamos prontos pra te receber.” Estava perdendo pedacinhos do meu tampão e sabia que o momento estava chegando. Meus filhos não tem paciência pra esperar 40 semanas. Talvez eu também não tenha.
36 semanas + 1 dia: meu aniversário de namoro. Era um domingo de sol. Passei o dia em pródromos, perdendo o tampão mucoso. De noite, na cama, com as crianças já deitadas escuto um velho conhecido: ploc. Mas esse foi bem embaixo e veio junto com uma dor. Grito pro marido que estava no banheiro: “- algo está acontecendo!”
Xixi, cólica, banho, xixi. Xixi que não pára. Contrações começando a firmar. Chama o time no WhatsApp. Meu strepto tinha dado positivo então a conduta era ir o mais rápido pro hospital pra fazer o antibiótico.
Dei um beijo nos meus filhos e entrei no carro pra ir pro hospital. As contrações estavam ritmadas. A cada onda que vinha, uma enxurrada no banco do carro. Chegamos em 20 minutos.
Dessa vez eu queria ter o parto registrado de forma impecável, afinal, seria minha última vez vivendo aquela experiência. Chamei a Lela Beltrão, que por acaso estava grávida também. Dizia que meu bebê nasceria no tempo certo pra ela conseguir ser registrada pelas lentes dela!
Chegamos todos juntos, sincronizados, como que em um lindo balé: Lela, Janie e Priscila. Fui pra sala de parto que, dessa vez, poderia ser usada sem problemas! Estava com dores fortes, mas conseguia me acalmar e até rir entre uma contração e outra.
Vamos fazer o toque e a toco. Com 1 hora de bolsa rota eu já estava com 6 cm de dilatação. Mas a Elena estava com os batimentos super altos e tivemos que monitorar por mais tempo que o previsto. Ou seja: não podia ir pra água. A dor começou a aumentar. Balanço na bola, Janie traz uma bolsa de sementes quente pra minha lombar. Priscila traz uma toalha com água fria pra minha nuca. Andrea me tranquilizando. Marido afagando minha cabeça. E eu vivendo cada momento daquela jornada. Presente.
Vou pra cama, mudo de posição. Não rola. Peço um isotônico, dou uns goles, mas do mesmo jeito que ele entra, sai. Durante uma contração, perco o acesso do antibiótico. Sangue pra todo lado. Nem percebo, pois estou olhando pra dentro, não pra fora. Já não sei mais que horas são. As lágrimas escorriam, aquela sensação me dominando. Conheço esse sentimento. Não posso ir pra lá. Os batimentos da Elena normalizam e lá vamos nós pro chuveiro. Só eu, Janie, a bola e um som em looping que ela colocou e me levou pra outra dimensão.
Embaixo d’água eu sentia cada contração me abrir. Empurrava a minha lombar com a mão a cada momento em que parecia que não ia dar. Chorei. Pensei nas mulheres da minha família que haviam passado por isso como eu. Pedi forças pro meu avô e meu pai, que já não estão nesse plano mas que carrego no meu coração. Chamei a minha mãe. Chamei minha filha. Eu estava ali, inteira, entregue àquilo tudo.
Chegamos no pico da dor. Chegamos no conhecido capítulo “eu não aguento, quero anestesia.” E todas as vezes que vocalizava, a Janie me trazia pro chão: “ – Ju, é só uma sensação. Vai passar.” Ela mantinha contato com a equipe que estava lá fora. Diziam que o anestesista já estava vindo. Uma, duas, três vezes. Na quarta eu respirei fundo, olhei nos olhos dela e disse: “- eu sei o que vocês estão fazendo, me enrolando, mas está ruim. Eu não aguento mais.” A Pri avisa que a Andrea precisa repetir a toco. E eu falo que não faço o exame antes de receber a anestesia.
Ela passa o recado pra frente e, segurando minha mão, me responde: “- você vai viver essa próxima contração. E depois a gente vai levantar. Vamos fazer o toque pra ver a quantas anda e, se não tiver evoluído, o anestesista está lá fora esperando você.”
Digo que não consigo levantar. Ela me pega firme pelo braço e diz que sim, que eu consigo. Que é preciso. E que tá do meu lado. Levanto e vou em direção a cama. Ali, algo acontece. A dor muda, como se algo embaixo de mim estivesse – literalmente – abrindo. Escuto a Janie dizer pra Pri: “- Acho que estamos mudando de padrão aqui.”
Pri e Andrea fazem o toque e anunciam: “- Dilatação total! Ela vai nascer agora!” A Janie sorri e diz pra eu empurrar quando sentir vontade. A dor da contração vai embora. Chega uma nova sensação que até então eu não havia experimentado. A Andrea pergunta se eu não quero ir pra banqueta. Estava confortável do jeito que estava e não queria sair dali por nada nesse mundo. Empurro. Com os puxos, vem os urros. Não são de dor. É como se eles me ajudassem a concentrar toda minha força pra baixo. Uma vez. Marido vem pra ajudar a segurar minha perna. Duas vezes. Sinto ela se mexendo, empurrando pra sair. Três vezes. Círculo de fogo. Socorro. A cabeça saiu! Junto com ela uma mãozinha na testa. Mais uma, o bracinho erguido pra cima. Girl Power! Ela chega com atitude. Com a quinta, ela escorrega e eu já estico a mão em busca da pequena, que nasceu – após 3 horas e 40 minutos de TP – ao som de Dear Prudence, dos Beatles. Greet the brand new day, Elena!
Foram 13 anos e 3 partos pra chegar até esse momento. Devo isso à equipe incrível que me acolheu e me empoderou durante cada etapa dessa jornada de auto conhecimento.
Bruno, meu amor: obrigada pelo respeito às minhas escolhas.
Fernando, Eduardo e Elena: cada um de vocês me trouxe força, conhecimento e o amor mais sublime que já pude sentir. Que privilégio é vê-los crescer!
Andrea, Priscila, Ana Paula, Tiemi, Julia, Maira e Janie: foi uma delícia e uma honra ter a companhia de vocês nessa viagem.
E, a todas mulheres que estiverem lendo esse relato: parir é mergulhar em nossas próprias entranhas. É se redescobrir. É sentir um poder tão grande que não tem como não sair indiferente dessa jornada. Cerquem-se de profissionais que acreditam nisso e entreguem-se ao processo, pois nosso corpo se encarrega do resto!