As dores do parto, para mim, fazem parte da beleza que é trazer um filho ao mundo. O corpo se move através delas, aumentando a intensidade, anunciando que o nascimento se aproxima. Ao parir novamente, da forma mais natural possível, entendi que pressentimos sim quando nosso corpo demonstra os primeiros sinais. A natureza é sábia, só precisamos estar atentos e nos entregarmos para enxergá-los.

Parto normal sem analgesia: Nascimento da Maitê

Bebê logo após expulsivo sendo recebido nos braços da mãe
Foto: Kátia Ribeiro

“A voz do anjo sussurrou no meu ouvido.
E eu não duvido, já escuto os teus sinais.”

Anunciação – Alceu Valença

Era segunda-feira, 15/07/19, quando Maitê dava seu primeiro sinal de chegada ao mundo. Dois dias após o meu aniversário, que por coincidência também é o da Dra. Andrea Campos. Soubemos logo na primeira consulta de pré-natal em que ela comentou, sempre bem-humorada, que se o bebê quisesse nascer nessa data ela estaria viajando. Seria a única data que não estaria na cidade e então contaríamos com a equipe backup. Como eu também queria comemorar o meu aniversário, me restou fazer uma figa para que Maitê esperasse mais um pouquinho para nascer. A obstetriz Priscila, já na reta final da gravidez, foi positiva dizendo que Maitê teria o dia dela em nossa família.

Então 13 de julho chegou em um final de semana tranquilo em que minha família veio nos visitar. Ellen comentou da chegada da lua cheia na semana seguinte. Já eu não tinha qualquer palpite. Diferentemente do meu parto anterior, era uma novidade lidar com o inesperado. A sombra da indução parecia nos perseguir a cada ultrassom. Ficávamos na expectativa para saber o percentil dela e se o discreto aumento do líquido amniótico nas últimas semanas permaneceria. A tranquilidade de Andrea me acalmava e eu estava conseguindo lidar bem com a ansiedade. Como começaria o trabalho de parto? Eu saberia identificar? Eram questões que eu colocava em consulta. Eu sabia que contava com os melhores profissionais me assistindo.

A consulta com Priscila terminou por volta de 15:00. Já no carro, voltando para casa, senti a descida de um volume maior de líquido na calcinha. “Pode ter sido mais um escape de urina”, pensei. Porém, dessa vez, havia sido involuntário, sem espirros ou por bexiga cheia. Decidi não contar para meu marido. Em casa, ao trocar de roupa, vi que não tinha cheiro de urina. Achei estranho, mas deixei o pensamento de lado e me concentrei em concluir os afazeres do dia.

Às 17:40 enviei mensagem para Andrea, que me orientou a fazer o ultrassom, cardiotocografia e amnisure (teste que verifica se houve rompimento da bolsa). Relatei também que desde cedo estava sentindo dor na lombar. Eram quase 19:00 quando notei uma secreção marrom na calcinha. Os sinais de um provável trabalho de parto estavam mais frequentes. Somente às 22:00 conseguimos ir ao hospital São Luiz Itaim, pois Luquinha havia demorado para dormir. Me senti culpada tanto por deixá-lo em casa quanto por ter demorado para ir ao hospital. Felizmente Dona Dalva estava em nossa casa e isso me tranquilizava um pouco.

Já sentia cólica e Andrea me respondeu para ir ao Hospital Samaritano. Mas só li a sua mensagem quase meia-noite, quando os resultados dos exames apontaram aumento de contrações e o rompimento parcial da bolsa de líquido. Nunca esquecerei a ansiedade quando li a mensagem dela: “Saiam daí o quanto antes. Nos encontramos no Samaritano. Entrem no P.S. pedindo internação de urgência. Daí vocês irão para o quarto e faremos antibiótico por causa do strepto positivo. Pelo jeito o trabalho de parto vai engrenar nas próximas horas.” Finalmente entendi todos os sinais que meu corpo estava me mostrando. Maitê muito em breve estaria em meus braços.

“Debaixo d´água se formando como um feto sereno, confortável, amado, completo.
Sem chão, sem teto, sem contato com o ar.
Mas tinha que respirar.”

Debaixo d´água – Arnaldo Antunes

Em quinze minutos chegamos ao Samaritano. No caminho liguei para minha mãe, que respondeu: “Sabia!”. Avisei a Priscila e Kátia (fotógrafa), que nos encontraram na enfermaria quase 1 da manhã. As dores já estavam incomodando e fui transferida para o quarto de cadeira de rodas. Às 02:00 Jussara chegou em nossa casa para ajudar com o Luquinha e pudemos nos concentrar mais na chegada da Maitê. Eu continuava com 5 cm de dilatação. Conversámos com a equipe entre uma contração e outra, mas as dores não aumentaram e então optamos por descansar um pouco.

Por volta de 05:30 Andrea começou a me examinar. Ela sugeriu estourar completamente a bolsa para o trabalho de parto evoluir, já que não houve aumento da dilatação. Ao fazer isso, nos deparamos com muitos coágulos de sangue junto ao líquido. A partir daquele momento a bebê passou a ser monitorada durante todo o trabalho de parto, assim como os meus sinais vitais. O sangue indicava um deslocamento de placenta que poderia ser marginal ou central. Só saberíamos com a evolução do parto. O deslocamento central ocasionaria diminuição de oxigênio comprometendo os sinais vitais do bebê, sendo uma indicação de cesárea. Andrea saiu do quarto para preparar o centro cirúrgico e chamou a anestesista para ficar de prontidão. Senti um clima de tensão. Como eu continuava sangrando, usei uma fralda gigante. Um tempo depois Maitê desceu mais e o sangramento parou.

Andrea retornou para o quarto e tranquilamente me sugeriu massagear o bico do seio para a ocitocina ritmar as contrações. Deu certo! Perdi a noção do tempo com o aumento das dores… tampouco me preocupei com a possibilidade de cesárea. Inclusive não me lembro dessa palavra ter sido citada por alguém da equipe. Eu confiava em minha equipe e sabia que qualquer solução fora do meu plano de parto seria a melhor para nós duas.

Na fase ativa do trabalho de parto me concentrei bastante. Priscila me orientou a vocalizar nos momentos de dor. Ela e meu marido massageavam minha lombar, mas com a evolução da dilatação eu não sentia mais alívio. Não encontrava posição confortável, começava a me desconcentrar e as dores me dominavam. Fiquei enjoada uma única vez, causada pela dor. Lembro-me da equipe falando sobre a demora na preparação do centro cirúrgico. Não para fazer a cesárea, mas para continuarmos o trabalho de parto lá, já que o hospital não permitia parir no quarto.

Tenho certeza que já estava na partolândia! Nesse momento, a dor era constante. As contrações vinham seguidamente e meus gritos também. Estava difícil me concentrar. Então pediram para eu me deitar na cama/maca do quarto. Eu falei para Andrea que não ia conseguir porque a dor estava insuportável. Ela me respondeu que eu já havia conseguido, Maitê já estava nascendo! Não havia mais tempo para analgesia, mesmo que eu tivesse pedido.

“É natural que seja assim você aí
E eu aqui, exatamente aqui
…Cê não sabe mas eu tava exatamente aqui
Olhando pra você
Olhando pra você exatamente aqui.”

Dia a dia, lado a lado – Marcelo Jenesi

A partir daí foi uma correria, literalmente. Todos indo ao centro cirúrgico empurrando a maca em que eu estava. Durante o trajeto, me lembro que de repente a dor parou. Parei de gritar. Continuei de olhos fechados. A dilatação estava completa. Mas não pensei que a fase do expulsivo seria tão rápida. Ao chegar ao centro cirúrgico senti uma vontade incontrolável de fazer força. Andrea me respondeu que era assim mesmo e me incentivou a continuar. Permaneci onde eu estava, corpo de lado, e não deu tempo de ser transferida para a maca do centro cirúrgico.

Bebê mamando logo após o parto
Foto: Kátia Ribeiro

E no dia 16/07/19, após duas forças, nossa menina nasceu às 08:14. Senti o “círculo de fogo”, senti a sua cabeça e corpo vindo ao mundo, senti meu corpo dando o seu máximo para ela passar. E uma sensação física e emocional de alívio me tomou. Chorei de alívio! Andrea fez a manobra necessária para auxiliá-la a nascer e a colocou diretamente em meus braços. Imediatamente ela mamou e ficamos juntas por mais de uma hora, o corpo dela sendo aquecido pelo meu. Nossa hora dourada foi respeitada e durou o tempo que Maitê quis. Todos me parabenizaram, disseram como eu havia sido forte e corajosa. Me emocionei pela saúde dela, comemorei com Ricardo, falei pouco… eu ainda estava elaborando o que havia acabado de acontecer.

Ainda senti uma cólica chata devido ao nascimento da placenta. Fui examinada por Priscila e Andrea, que me informaram que o períneo estava íntegro, ou seja, não precisei de sutura. Tive apenas um raspão de leve na pele. Então meu marido cortou o cordão umbilical e fomos para o quarto. Maitê saiu do meu colo durante esse trajeto por protocolo do hospital. Tiemi (pediatra neonatologista) nos acompanhou e só no quarto realizou os exames necessários. Andrea e Priscila retornaram para o quarto e registramos o momento com uma foto da equipe. Elas tinham outro parto para assistir.

Vestimos Maitê, cuidamos dela, a amamentei novamente antes de Tiemi ir embora. Nossa menina só tomaria banho no dia seguinte, ainda no hospital, envolta em um pano para se sentir no útero, e assim aproveitar os benefícios do vérnix. Luquinha e a irmã se conheceram no mesmo dia do nascimento dela, no final da tarde, assim como Dona Dalva, Jussara, minha mãe Creusa e Ellen. Nosso pituco estava tranquilo, carinhoso e feliz, como sempre.

Quanta atenção e cuidado eu recebi da minha equipe! É, sem dúvidas, um privilégio! Andrea, obstetra exemplar, com sua alegria e tranquilidade em todo o pré-natal; com sua segurança e presença forte no trabalho de parto. Priscila, obstetriz, que esteve ao meu lado todo o tempo, se preocupando comigo, aliviando minhas dores. Tiemi, pediatra, que tanto nos surpreendeu com o atendimento impecável dado à Maitê, nos fornecendo todas as informações necessárias (mesmo sendo pais de segunda viagem) durante os três dias que ficamos no hospital. Kátia, fotógrafa, que realizou seu trabalho delicado respeitando o meu momento e espaço, estando presente sem me distrair. Sou grata também ao meu amor, o membro mais especial da equipe. Sempre zeloso e amoroso comigo, apoiou todas as minhas escolhas, embarcou comigo nessa loucura que é ter (mais) um filho. Jamais me esquecerei de sua energia boa, seus pensamentos positivos, incentivo a me manter forte e a nossa emoção ao segurarmos juntos a Maitê. A gente faz acontecer, lindo! Aos nossos familiares, tão carinhosos e respeitosos. Meu muito obrigada por cuidarem de nós.

As dores do parto, para mim, fazem parte da beleza que é trazer um filho ao mundo. O corpo se move através delas, aumentando a intensidade, anunciando que o nascimento se aproxima. Ao parir novamente, da forma mais natural possível, entendi que pressentimos sim quando nosso corpo demonstra os primeiros sinais. A natureza é sábia, só precisamos estar atentos e nos entregarmos para enxergá-los. É uma experiência tão sublime quando há respeito de todos os envolvidos. Lidei com minha ansiedade, alegrias, dores, expectativas e angústias de ser mãe pela segunda vez. Esses sentimentos estiveram ali nos meus partos para me ensinar que sempre farão parte do meu caminhar com meus filhos.

Bem-vinda minha pequena Maitê. Você chegou trazendo leveza ao meu maternar.

DPP: 26/07/2019
DN: 16/07/2019 às 08:14
Parto normal sem analgesia
Bolsa rota 17 horas antes do parto
IG: 38 semanas e 4 dias
Peso: 3.115 gramas
Estatura: 47 cm
Perímetro cefálico: 34 cm
APGAR: 9/10
Data da alta: 18/07/2019
Peso na alta: 2.920 gramas
Hospital Samaritano – São Paulo/SP