Tudo o que eu dissesse aqui não seria capaz de revelar a emoção e a magia daquele momento, no qual tive a certeza de que nasci com um propósito nesta vida: ser pai daquela princesinha.

O pai no parto: relato do nascimento da Beatriz

Desde que fiquei sabendo que seria pai, passei a imaginar o momento do nascimento de nossa filha e como seria minha reação ao recebê-la fora da barriga de minha esposa.

E, pelos relatos que me foram contados ao longo da vida sobre a emoção indescritível de vivenciar o momento do parto, nunca tive dúvida de que estaria presente no nascimento de nossa amada Beatriz.

Entretanto, seja pelas experiências das pessoas que fazem parte da minha família e círculo de amigos, ou mesmo pela cultura da cesárea quase que imposta às mães no Brasil, até ser apresentado à realidade consciente, segura e responsável do parto natural, nunca havia imaginado que eu, simples pai, poderia exercer outro papel além de mero espectador no parto de nossa filha.

Não estou defendendo os benefícios do parto natural. É que, ao decidir por esta modalidade de parto, enfrentamos um sem número de caras feias e narizes torcidos de supostos experts da medicina obstétrica, que praticamente blasfemavam contra tudo aquilo que fugisse do roteiro da cesárea, de preferência agendada.

Não culpo nenhum desses críticos, mesmo porque muitos deles são entes queridos que certamente só queriam e querem o nosso bem. Aliás, eu mesmo era um defensor fervoroso da cesárea (apesar de sem qualquer conhecimento).

As repreensões que recebemos ao contar que pretendíamos ter um parto natural fizeram com que buscássemos o maior número de informações possíveis não só sobre o momento e forma do nascimento de nosso bebê, como também sobre como nos preparar para o parto.

Foi então que aprendi que eu já era pai, mesmo muito antes do nascimento de nossa filha. E que além de amá-la muito, eu já podia (e devia) ajudá-la a se desenvolver e a se preparar para sair do forninho, apoiando incondicionalmente e dando segurança à sua mãe.

Apesar de toda a nossa preparação para o parto e por mais que tentássemos nos informar sobre a dinâmica do parto natural, tive que me conformar que cada parto é um parto, sem roteiro ou regras estanques. Simples assim, como quer a mãe Natureza.

Por isso, entendi que a melhor forma de eu ajudar no momento do nascimento de nossa filha era, além de tomar as providências práticas que estavam ao nosso alcance (escolha da equipe e hospital para o parto), fazer com que minha esposa tivesse certeza de que eu daria todo o apoio que ela precisasse antes, durante e depois do trabalho de parto, quaisquer que fossem as necessidades.

Outra providência prática que tomei foi não viajar mais a trabalho nas semanas que antecederam a data provável do parto, pois nossa filha não podia correr o risco de querer nascer e seu pai estar do outro lado do país. Adotadas essas cautelas, estávamos prontos, aguardando para, de um dia para o outro, segurar nossa pequenina nos braços.

Na quadragésima semana e primeiro dia (só quem já engravidou conhece essa tecnologia de contagem do período gestacional), J. suspeitou que tivesse chegado a hora, a boa hora. De fato, tinha início o nosso trabalho de parto.

Daí em diante começou, para mim, um processo mágico no final do qual teríamos nos braços nossa obra-prima: a pequena Beatriz. Mas, como cada parto é único, sem roteiro, não sabia o que viria pela frente.

Meia-noite: “Isto aqui é xixi ou um pouco de líquido amniótico”? Não soubemos ao certo, mas, como estava clarinho, decidimos tentar dormir. Mas como dormir se nossa menininha, depois de 40 semanas e um dia, podia estar dando os primeiros sinais de que já estava pronta para sair do forninho?

Não, não. Definitivamente, não conseguimos dormir mais. Mesmo porque, minutos depois, Juliana começou a sentir as tão famosas contrações. Contrações levinhas, levinhas, daquelas que o papai nem consegue sentir com ouvidos, rosto ou mãos.

Mas logo essas leves contrações ganharam força e, para nossa surpresa, intensidade e alguma regularidade. Mas a dilatação de 0 a 10 centímetros não levaria, em tese, 10 horas (um centímetro/hora)? Em tese, papai, em tese. Esqueceu-se de que cada parto é único?

Como as contrações, à 1h30 da madrugada, já estavam durando de 40 a 70 segundos, com intervalos de 2 a 5 minutos, decidimos ligar e acordar nossa doula (espécie de mulher anjo que, além de tornar mais suportáveis as dores do parto, transmite calma e segurança ao casal).

Nossa doula pediu que contássemos as contrações por mais uma hora e, como as contrações passaram a vir ainda mais regulares nesse período, a mulher anjo voou para a nossa casa às 2h30 da madrugada.

Quando ela chegou em casa, continuamos conversando descontraidamente. Também ajudamos a mamãe (em pé, sentada e na bola de ioga) durante as contrações, segurando-a, massageando-a e não a deixando se esquecer das respirações ensinadas nas aulas de ioga.

Na medida em que as contrações estavam cada vez mais ritmadas (agora já contadas no master blaster programa de celular de nossa doula), perguntei, por volta das 3h30, se já não estava na hora de irmos para o hospital. Nossa doula, com a tranquilidade que lhe é característica, disse que J. ainda estava muito descontraída e que só quando ela parasse de rir de minhas piadas entre as contrações é que estaria na hora de sairmos para o hospital.

Não demorou muito e realmente Juliana começou a se incomodar mais com as dores durante as contrações e a não querer mais papo entre elas.

Por volta das 4h30, quando J. já estava quase incomunicável (ou se comunicando por grunhidos, olhares e fortes suspiros – o nome técnico-científico desse estágio é “partolândia”), nossa doula me perguntou se já estava tudo arrumado (malas no carro) para rumarmos ao hospital.

Senti um misto de alívio e ansiedade, pois ao mesmo tempo em que podíamos estar perto do final do trabalho de parto, ainda não sabíamos com quantos dedos de dilatação Juliana estava e, assim, o quão mais o trabalho de parto poderia durar.

Ao sair de casa, nossa doula entrou em contato com todo o resto da equipe (médica obstetra, enfermeira e pediatra) e eu fui com J. no nosso carro, com ela no banco de trás, esmagando a bola de ioga durante as contrações.

Percebi que no caminho até a maternidade, que às 5h da manhã durou apenas 10 minutos, Juliana sentiu as contrações mais intensas (e dolorosas). Ao chegar no hospital, nossa enfermeira obstétrica já estava nos esperando e, finalmente, teríamos a exata ideia do estágio do trabalho de parto.

Após a cardiotoco (mamãe e bebê ok) nossa enfermeira nos olhou com um sorriso meio maroto e disse: “Oito para nove centímetros”. Caramba, mas não é com 10 que os bebês nascem? Isso mesmo, para nossa grata surpresa, Bia já estava em vias de deixar o forninho.

Percorremos intermináveis 30 metros entre a sala de admissão e a sala de parto, entre passos contidos, abraços apertados e gemidos em 3 ou 4 contrações muito intensas. Não pude entrar direto na sala de parto, pois a enfermeira do hospital disse que eu teria que “me paramentar”. Deixei J. com as enfermeiras (a nossa e a do hospital) e fui correndo me paramentar.

Quando voltei para a sala de parto, J. estava prestes a entrar na banheira, com contrações muito intensas e já no último estágio da “partolândia”. Foi só o tempo de terminar de encher a banheira para colocarmos Juliana dentro da água morna (para amenizar a dor).

A ideia inicial era que eu também entrasse na banheira e servisse de apoio para as costas de Juliana, mas as contrações vieram tão rapidamente que a fiquei segurando do lado de fora da banheira.

Duas ou três contrações depois ouço: “Cabeça”. Como eu estava atrás de J., nossa médica disse para eu colocar a mão na água e sentir o cabelinho. Só que eu estava tão preocupado em acalmar e dar suporte a Juliana, que nem mesmo consegui deixar de segurá-la.

Mais uma contração e ouço: “Agora está quase no fim, só falta passar o ombrinho”. Olho, vejo nossa bebezinha debaixo d’água e fico imensamente feliz por J. ter conseguido manter a calma e ter tido, até ali, um trabalho de parto maravilhoso.

Segundos depois, após a última contração expulsiva, a médica pega nossa bebezinha e imediatamente a coloca, roxinha, no colo de Juliana, só com a cabecinha fora d’água.

Tudo o que eu dissesse aqui não seria capaz de revelar a emoção e a magia daquele momento, no qual tive a certeza de que nasci com um propósito nesta vida: ser pai daquela princesinha.

Ela já nasceu linda, ficando rosinha a cada copinho de água morna da banheira que despejávamos carinhosamente em seu corpinho. Cortei o cordão umbilical e, em seguida, já fora da banheira, nosso pequeno milagre já estava dando a sua primeira mamada.

Nosso parto foi lindo e me fez sentir emoções até então desconhecidas e indescritíveis.

Nossa bebezinha, recebida de forma tão espontânea, fez com que eu percebesse de forma presente e ativa o milagre de seu nascimento.

Espero, de coração, que os futuros papais e mamães possam vivenciar experiência semelhante.

Boa hora!

Relato publicado originalmente no site da Casa Moara