Quando uma mulher grávida comunica seu desejo de viver a experiência de um parto humanizado, sempre há alguém que tenta jogar um balde de água fria, com mitos e informações equivocadas sobre o quão “perigoso” é parir. A desinformação faz algumas pessoas acreditarem que cesáreas sem uma indicação médica são a maneira mais segura de trazer um bebê ao mundo quando, na verdade, pode acabar por acrescentar riscos.

No parto humanizado é respeitada a fisiologia do parto e as tecnologias são utilizadas conforme a necessidade, seguindo recomendações internacionais baseadas em estudos confiáveis (baseados em evidências), envolvendo menores riscos à mãe e ao bebê.

Dessa maneira, o parto humanizado pode ser desde um parto natural, que evoluiu sem necessidade de nenhuma interferência externa, até uma cesárea, que pode ser necessária e, nesse caso, diminuir o risco para aquela mulher e para aquele bebê.

Em um parto humanizado, as intervenções só são feitas quando é estritamente necessário. O tempo da mãe e do bebê é respeitado, a mulher tem liberdade de movimento e de escolha e não há cortes, empurrões nem uso de medicamentos para acelerar o nascimento ou modificar o corpo da mulher, sob o pretexto de torná-lo mais apto a parir. O corpo feminino já é, naturalmente, adequado para a gestação e o parto. Quando são necessários procedimentos para ajudar na evolução do parto, a mulher é informada e participa das decisões.

O parto humanizado é respaldado por evidências científicas atuais e conta com a tecnologia para garantir a segurança da mulher e do bebê sendo recomendado pela OMS e pelo Ministério da Saúde, porém ainda não é o atendimento padrão de todos os hospitais brasileiros. Por isso, a mulher que deseja viver a experiência de um parto humanizado precisa buscar profissionais alinhados com esses ideais, e que trabalhem seguindo a esses princípios. O Brasil é um país que vive, ainda, uma epidemia de cesáreas, e apresenta intervenções obstétricas prejudiciais como padrão.

Como surgiu o parto humanizado

No início do século passado, os partos no Brasil ocorriam no ambiente domiciliar e eram acompanhados por parteiras. Nos anos 40, os partos começaram a ocorrer em ambiente hospitalar. Nos anos 90, o hospital já havia se tornado o local onde mais de 90% dos partos ocorriam. As taxas de cesárea nos hospitais particulares passavam de 90%, assim como a taxa de intervenções nos partos normais.

Com os avanços da antibioticoterapia, das tecnologias diagnósticas e terapêuticas e da melhoria nas condições de vida, ocorreu uma redução expressiva nas taxas de mortalidade materna e neonatal, porém, essas taxas estabilizaram nos últimos 20 anos.

Em 1990, a Taxa de Mortalidade Materna no Brasil era de 143 por 100.000 nascidos vivos. Com as medidas tomadas pelo governo em prol da realização do pré-natal, houve uma queda expressiva nesse índice. Porém, essa queda não acompanhou a meta do milênio da Organização das Nações Unidas – ONU. A expectativa era uma queda de 75%, ou seja, a diminuição da Taxa de Mortalidade Materna de 143/100.000 para 35/100.000, até 2015. O Brasil só conseguiu reduzir esse número em 57%, e a partir de 2016, ele voltou a crescer.

Taxa de Mortalidade Materna no Brasil

Mortalidade materna volta a subir, leia mais

A taxa de mortalidade materna é o número anual de mortes femininas por 100.000 nascidos vivos, de qualquer causa, relacionada ou agravada pela gravidez ou seu manejo (excluindo causas acidentais ou incidentais). Inclui mortes durante a gravidez, parto, ou dentro de 42 dias após o término da gravidez, independentemente da duração e do local da gravidez, por um ano específico.

As causas de mortalidade materna se dividem em causas indiretas e causas diretas. As indiretas ocorrem por doenças pré-existentes e desencadeadas ou agravadas pela gestação, e as diretas ocorrem por complicações durante a gravidez, parto ou puerpério. As causas diretas ocorrem por intervenções inadequadas, omissões e tratamento incorreto. Elas são evitáveis em 92% dos casos e estão relacionadas a casos de hipertensão arterial, hemorragias, aborto e infecções no pós-parto. Uma contenção no número de cesáreas sem indicação médica teria um impacto nas causas por hemorragia e infecções no pós-parto, já que a cesárea está associada a maiores taxas dessas complicações.

Devido a uma elevada taxa de mortalidade materna e de complicações relacionadas a esses partos partos com intervenções desnecessárias, houve uma mobilização de grupos que, apoiados pela OMS, se organizaram para sistematizar os estudos de eficácia e segurança das intervenções na assistência à gravidez, parto e pós-parto, surgindo a partir disso o movimento pela Medicina Baseada em Evidências, que desenvolveu a metodologia de revisão sistemática através de uma colaboração internacional.

Como resultado dessa colaboração, a Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS e a OMS realizaram uma conferência sobre tecnologia apropriada no parto com recomendações de práticas assistenciais benéficas e abandono de técnicas maléficas, juntamente com as taxas recomendadas de cesáreas, que devem ser de 10 a 15% dos partos.

As recomendações dessa conferência resultaram em uma cartilha, que tem sido atualizada e revista periodicamente, sendo a última versão de 2018. Nela estão relacionadas as práticas desnecessárias utilizadas anteriormente como rotina.

Abaixo, as práticas consideradas pela OMS desnecessárias ou prejudiciais na assistência ao parto:

  • Lavagem instestinal;
  • Raspagem dos pelos pubianos;
  • Soro de rotina;
  • Jejum durante o trabalho de parto;
  • Rompimento artificial da bolsa de rotina;
  • Parto em posição ginecológica;
  • Episiotomia de rotina: um corte na vagina para, supostamente, abrir passagem;
  • Manobra de Kristeller, que consiste em empurrões na barriga da gestante;
  • Aspiração das vias aéreas do recém-nascido;
  • Separação do bebê da mãe nas primeiras horas após o parto.

Infelizmente, muitas dessas práticas prejudiciais ou desnecessárias ainda são utilizadas em alguns partos.