Conheça a diferença entre baby blues, depressão pós parto e psicose puerperal, e saiba o que pode ser feito em cada caso

Foto: Katia Ribeiro

O período pós-parto, também conhecido como puerpério, refere-se a um momento de transição em que ocorrem intensas alterações fisiológicas e psicológicas nas mulheres, envolvendo tanto aspectos hormonais, como questões familiares e culturais. Ele começa após o nascimento do bebê, e seu fim não é bem delimitado, podendo abranger até 12 meses após o nascimento.

Alterações hormonais, amamentação, demandas em tempo integral do bebê, perda do corpo gravídico e não retorno imediato ao corpo anterior à gestação, privação do sono, pressões sociais – as mudanças após o parto são muitas, e cada mulher irá vivenciá-las de uma maneira singular e única.

Ainda que o nascimento de um bebê seja um evento comumente associado a celebração e alegria, sentir cansaço, solidão, tristeza e desamparo faz parte da experiência de muitas mulheres. Por isso, é necessário ficar atento(a) para reconhecer quando esses sentimentos deixam de ser algo fisiológico e passam a merecer maior atenção e acompanhamento especializado.

Baby blues

O baby blues (ou blues pós parto) se manifesta em aproximadamente 50% ou mais das mulheres dentro de uma semana após o parto, e sua origem está associada tanto a questões hormonais – como a queda nos níveis de estrogênio, que afeta indiretamente o metabolismo de neurotransmissores como dopamina, noradrenalina e serotonina – como aspectos socioculturais.

Trata-se de uma condição transitória caracterizada por sintomas depressivos leves, como tristeza, choro, irritabilidade, ansiedade, insônia, exaustão e diminuição da concentração, bem como instabilidade do humor. Os sintomas geralmente se desenvolvem dentro de dois a três dias após o parto, atingem o pico nos próximos dias e desaparecem dentro de duas semanas.

O baby blues é comum e é conceituado como um nível subclínico de depressão, ou seja, que não é patológico. Alguns fatores de risco associados ao quadro são: histórico de mudanças de humor pré-menstruais, sintomas depressivos anteriores à gravidez ou no pré parto; via de parto cesárea; não amamentação; comprometimento psicossocial e história familiar de depressão.

Geralmente o quadro não requer tratamento clínico, e as mulheres devem receber conforto, segurança e amparo por parte de familiares e de suas redes de apoio. O reconhecimento do baby blues é importante pois, de acordo com dois estudos prospectivos realizados na Alemanha e na Nigéria, o risco de depressão pós-parto é aproximadamente 4 a 11 vezes maior entre as mulheres que sofrem de baby blues.

Depressão pós parto

Embora os sintomas de baby blues e depressão pós parto sejam parecidos, na depressão eles costumam ser mais profundos, intensos e duradouros (podendo durar pelo menos um ano em 30 a 50% dos pacientes). Algumas manifestações são: ansiedade sobre a saúde do bebê, preocupação com a capacidade de cuidar dele, desânimo, desinteresse, insônia, culpa, transtornos por uso de substâncias e ideação suicida. Suas características clínicas e sintomas são parecidos com os episódios depressivos que ocorrem fora do período pós-parto.

A depressão tem início antes ou durante a gravidez em aproximadamente 50% das pacientes, e também pode se desenvolver como um agravamento do baby blues, ou então aparecer meses depois do parto, e o principal fator de risco é histórico prévio de depressão. Nesse sentido, ela pode ser evitada, cabendo à mulher, à família e aos profissionais de saúde um cuidado redobrado para acompanhar de perto possíveis alterações comportamentais e intervir quando necessário.

A incidência estimada de depressão pós parto é incerta. Estudos conduzidos na população geral dos Estados Unidos e da Europa apontam uma prevalência de aproximadamente 9%; no entanto, a taxa parece ser maior nos países de baixa e média renda. Apesar de pouco falada, a depressão também pode atingir de 3 a 5% dos pais e também merece atenção, pois pode interferir na construção do vínculo paterno-infantil.

Os tratamentos usuais para depressão também podem ser usados para tratar a depressão pós parto, e podem incluir o uso de antidepressivos e o acompanhamento terapêutico com psicólogo ou psiquiatra. As mulheres que estão amamentando devem evitar certos medicamentos, mas existem opções seguras que permitem manter a lactação durante o tratamento.

O acompanhamento profissional é fundamental, pois estudos mostram que a depressão pós parto está associada à má nutrição e saúde do bebê, e pode interferir na amamentação, na construção do vínculo entre a mãe e a criança, nos cuidados com o filho e no relacionamento com o(a) parceiro(a) da mulher.

Psicose puerperal

A psicose puerperal, por sua vez, é o transtorno mental mais grave que pode ocorrer no puerpério. Ela tem prevalência de 0,1% a 0,2%, costuma ter início rápido e os sintomas se instalam já nos primeiros dias até duas semanas após o parto. Apesar de poder apresentar sintomas parecidos com a depressão pós parto (como irritação, agitação e insônia), se diferencia desta na medida em que provoca um afastamento ou ruptura com a realidade, envolvendo delírios, alucinações, ideias persecutórias e confusão mental. Em quadros graves, a mulher pode não ser capaz de reconhecer seu bebê como “seu”, e ideias de infanticídio podem surgir.

Alguns casos podem ser tratados com medicação e psicoterapia, enquanto outros mais graves envolvem internação.

A importância da rede de apoio

O puerpério pode ser bastante desafiador e, por isso, todas as mulheres podem se beneficiar de uma rede neste período, formada por pessoas próximas (familiares, amigos e profissionais) que possam oferecer acolhimento e apoio para atender às necessidades específicas de cada mulher. Esse suporte pode vir de diversas formas, como: oferecer cuidados com a casa e com as questões práticas do dia a dia, ficar um tempo com o bebê para que a mulher possa ter um tempo para si, respeitar as escolhas da mãe e oferecer uma escuta sensível e empática. Grupos de mulheres no pós parto (presenciais ou virtuais) podem ser muito valiosos nesse período. Além disso, é importante que existam pessoas próximas que estejam atentas ao estado emocional da mulher no pós parto, para encaminhar a profissionais especializados quando necessário. Como diz um conhecido provérbio africano, “é preciso uma aldeia para criar uma criança”. Compartilhar os cuidados e as responsabilidades com as mães nos primeiros meses de vida de um bebê é, portanto, uma tarefa coletiva.

REFERÊNCIAS

Adele Viguera, MD. Postpartum blues. Post TW, ed. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc. https://www.uptodate.com (acessado em dezembro de 2019)

Adele Viguera, MD. Postpartum unipolar major depression: Epidemiology, clinical features, assessment, and diagnosis. Post TW, ed. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate Inc. https://www.uptodate.com (acessado em dezembro de 2019)

Médica e obstetra de Parto Humanizado